Introdução
A cidade de Paracatu – MG tem um Núcleo Histórico tombado pelo IPHAN. Em 1962, foram tombadas a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja Matriz de Santo Antônio; em 2012, foi tombado o Núcleo Histórico, cujo patrimônio reúne 230 imóveis, edificados nos séculos XVIII e XIV, em parte preservado. As edificações mais antigas (Século XVIII) estão ligadas ao curto período de riqueza dos garimpos de ouro nos leitos dos córregos próximos ao Morro do Ouro. (IPHAN, 2023)
Este artigo apresenta três ícones arquitetônicos de Paracatu, dos quais dois foram tombados (Igreja da Matriz de Santo Antônio e Igreja de Nossa Senhora do Rosário) e um deles protegido (Fundação Casa de Cultura). Além disso, são apresentados um registro de saber (modo de fazer pão de queijo) e um bem cultural imaterial em processo de registro (caretada).
1. Igreja Matriz de Santo Antônio
Figura 1 - Fachadas frontal e lateral da Igreja Matriz de Santo Antônio. Na
fachada frontal sobressai o corpo da nave, com empena triangular, dominado pela
grande portada, pelas janelas do coro e pelo óculo. As naves laterais são
marcadas por volumes mais baixos em ambas as laterais. As portas laterais
acessam diretamente as naves laterais. (Foto obtida pelo autor em 10/3/2023)
A principal obra arquitetônica é a Igreja da Matriz de Santo Antônio, que foi tombada pelo IPHAN - Decreto de Tombamento nº 636-T/1962, de 13/11/1962. Desde então, ela passou por obras de restauração e tem necessidade de manutenção constante, principalmente em seu telhado (madeiramento e telhas) e esteios de madeira.
Essa
Igreja foi construída entre 1730 e 1746, utilizando mão de obra escrava e
materiais como taipa e adobe, com estrutura de vigas de aroeira. Externamente,
apresenta linhas sóbrias e austeras, e, internamente, possui altares luxuosos,
sendo considerada uma das melhores expressões do autêntico barroco. A igreja
domina o conjunto urbano do Núcleo Histórico, sendo implantada no centro da
Praça Governador JK e destacada das demais edificações do entorno.
Figura 2 – Imagens do interior da Igreja de Santo Antônio tem uma beleza singular, os altares trabalhados em cedro, sem pintura. As tribunas e naves laterais são interligadas à nave-mor por meio de pórticos. Destaca-se, no interior, o conjunto de sete retábulos. Nas laterais, destacam-se as tribunas, de onde os potentados da época podiam acompanhar os serviços religiosos. (Foto obtida pelo autor em 10/3/2023).
A A arquitetura da Igreja é vista como uma evolução dos partidos jesuíticos seiscentistas, com a ausência de torres e a presença de empenas triangulares como características marcantes. Externamente, ela mostra linhas sóbrias e austeras e sua arquitetura representa, para alguns estudiosos, uma evolução dos partidos jesuíticos seiscentistas, sendo a ausência de torres e a presença de empenas triangulares as características marcantes deste modelo. Internamente, o contraste luxuoso dos altares deixa claro tratar-se de uma das melhores expressões do autêntico barroco. (IPHAN, 1962)
A importância da Igreja da Matriz de Santo Antônio é ser o
principal ícone arquitetônico de Paracatu, que se destaca na paisagem urbana,
ajudando a valorizar seu entorno e toda a cidade. Sua imagem é veiculada como
expressão identitária de uma cidade tradicional, mas também dos processos de
revitalização de seus bens culturais. Para grande parte da população local, ela
é referência da religiosidade, tradições e celebrações da sociedade
paracatuense.
Igreja Nossa Senhora do Rosário
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A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída a partir
de 1744, pode ser considerada um ícone arquitetônico de Paracatu. Ela foi
tombada pelo IPHAN - Decreto de Tombamento nº 636-T/1962, de 13/11/1962.
Sua construção foi resultado da discriminação sofrida
pelos negros na época da escravidão, que não podiam frequentar a Igreja Matriz
de Santo Antônio, destinada aos brancos. As irmandades de devotos negros de
Nossa Senhora do Rosário e São Benedito a construíram, e ela recebeu o nome de
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Livres. (PARACATU.NET, 2023)
Segundo IPHAN (1962), a solução arquitetônica da Igreja
de Nossa Senhora do Rosário representa um modelo tido por alguns estudiosos
como uma evolução dos partidos jesuíticos seiscentistas., sua arquitetura tem a
característica de ser uma transição da arquitetura colonial mineira para a
arquitetura goiana. Originalmente, a Igreja não possuía a torre central, sendo
a ausência de torres uma característica marcante deste modelo, ao lado da
ocorrência de fachadas com empenas triangulares.
Embora a estrutura simples e de linhas retas, seu
interior tem sete altares, cavados nas paredes. O altar principal é rico
em entalhes e ainda hoje conserva o estado original do cedro com o qual foi
construído. O piso é todo em madeira e há indícios de que existem túmulos sob
ele. (OUTROS RELATOS, 2023)
A Igreja Nossa Senhora do Rosário tem grande importância simbólica, porque grande parte da população de Paracatu é preta ou parda, é isto remete à origem da sua construção pela Irmandade dos Pretos Livres e às celebrações e ritos religiosos importantes ali realizados por essa comunidade. Anualmente, em 29 de junho, a Igreja é o ponto de partida da procissão de São Benedito, a mais importante da região, que atrai até mesmo paracatuenses que migraram para outras cidades.
2. Casa de Cultura
Figura 5: Imagem da Fundação Casa de Cultura de Paracatu, situada no Largo da Jaqueira, entre outras edificações do Período Imperial. (Foto obtida em: VISITE PARACATU, 2023)
A Fundação Casa de Cultura de Paracatu, situada no Largo
da Jaqueira, na Rua do Ávila s/n, Núcleo Histórico, é uma edificação exemplar
do Período Imperial e foi construída por Domingos Pimentel de Ulhôa, entre 1854
e 1857, originalmente para fins de moradia de sua família. Em 1908 a Câmara
Municipal adquiriu o prédio para o funcionamento do Grupo Escolar Afonso
Arinos. Em 1997, ela passou a sediar a Casa de Cultura de Paracatu. A Fundação
Casa de Cultura de Paracatu, hoje ali sediada, foi criada pelo Decreto Lei N.º
189/03, destinada ao fomento, organização de eventos culturais e artísticos da
cidade, fazendo também a difusão das manifestações tradicionais, exposições,
projetos culturais e oficinas de arte. (PARACATU MEMÓRIA, 2023)
A edificação, situada na esquina da Rua do Ávila s/n com
o Largo da Jaqueira (final da Rua Dr. Seabra) é simples e austera, em cujas
fachadas se destacam os cunhais ornamentados e a cimalha frisada. O desnível
entre as ruas do Ávila e Dr. Seabra proporcionou uma edificação em dois pisos,
com partido em “U” assimétrico e duas entradas distintas: a entrada para o piso
superior situa-se na Rua do Ávila, e para o piso inferior na Rua Dr. Seabra.
Aos fundos, a construção tem uma ampla varanda, voltada para o pátio interno,
onde se situa uma escada que liga os dois pisos.
De acordo com a ficha de inventário do Patrimônio
Inventariado do Acervo Cultural de Paracatu, esta edificação, do ponto de vista
construtivo, apresenta estrutura autônoma de madeira e vedações de barro,
algumas substituídas por tijolo. (SMCT, 1997)
Sua importância cultural em Paracatu é significativa, pois através dela são organizados eventos artísticos e oficiais, cursos de artes (pintura, bordados, tear, música, teatro), difusão das manifestações culturais, exposições, lojinha de artesanato e projetos culturais. Além disso, a Casa é aberta aos fins de semana e feriados para a visitação de turistas. Um exemplo de evento cultural que acontece em Paracatu é o Festival do Patrimônio Cultural de Paracatu, que engloba o Festival de Música Brasileira e o Festival Gastronômico.
3. Modo de fazer pão de queijo
O Modo de Fazer o Pão de Queijo é um bem cultural
registrado no Livro de Registro dos Saberes da Secretaria Municipal de
Cultura e Turismo de Paracatu e seu registro foi publicado pelo Decreto n°
4.851/2015 da Prefeitura Municipal de Paracatu.
De acordo com Secretaria (2017), a origem do pão de
queijo se confunde com a culinária mineira e a evolução de seus ingredientes ao
longo do tempo. As mulheres foram responsáveis por transmitir a receita e
moldá-la ao longo das gerações, tanto na produção quanto na distribuição nos
comércios locais, destacando-se a presença das mulheres, muitas vezes escravas,
responsáveis pela distribuição de quitandas e outros produtos pelas ruas e
vilas.
A goma de mandioca teria sido o primeiro ingrediente a
surgir, seguido por gordura de porco, sal, ovo, leite, nata, manteiga e queijo,
incorporados ao biscoito de goma moldado em pequenas bolinhas e assado. (SECRETARIA,
2017)
A importância do pão de queijo em Paracatu é sua presença no ambiente doméstico, nas lanchonetes e no comércio de rua, de tal maneira que se pode dizer que materializa a noção de identidade do paracatuense. Esta iguaria é marcante na hospitalidade, e a oferta de cafezinho mais pão de queijo aos visitantes é quase uma obrigação nos lares paracatuenses. O Registro desse bem cultural ajuda a consolidá-lo como elemento da economia do município e, sendo esse modo de fazer pão de queijo um processo artesanal, cujo saber é passado de geração a geração, ele tem grande importância na complementação da renda familiar.
4. Caretada ou Caretagem
Figura 7: Imagem da Caretada em Paracatu. Fonte: ENCONTROTECA, 2003.
A Caretada, ou Caretagem, é uma dança de origem africana,
que é uma tradição das comunidades quilombolas de Paracatu.
De acordo com INCRA (2009), em 2009 existiam cinco
comunidades quilombolas no município de Paracatu – Porto do Pontal, Cercado,
Machadinho, Família dos Amaros e São Domingos –, todas elas com certificado de
reconhecimento da Fundação Cultural Palmares. As três últimas estão
distribuídas em torno do Morro do Ouro, aos pés do qual foi edificada a cidade
de Paracatu. Enquanto as comunidades Cercado e Porto do Pontal têm
características estritamente rurais, as outras, pela proximidade da zona urbana
de Paracatu e as desarticulações provocadas pelo avanço da mineradora sobre
seus territórios, acabaram sofrendo grandes transformações nos seus modos de
vida. As comunidades Machadinho e Família dos Amaros foram expulsas de seus
territórios pelo avanço da mineração de ouro da empresa Kinross Brasil.
A Caretada é realizada na véspera do dia de São João
Batista, 23 de junho, como parte das festividades religiosas. Os dançarinos
usam máscaras de papelão, chamadas de caretas, que representam diferentes
personagens, como o rei, a rainha, o padre, o diabo etc. No rito da
coreografia, são 40 elementos distribuídos em 20 damas (homens travestidos) e
20 cavalheiros. Eles dançam ao som de tambores, pandeiros, violas e cantos. As
mulheres participam na elaboração das comidas típicas dos quilombos
(ENCONTROTECA, 2023; LEI.A, 2023).
Embora permaneça como referência cultural da cidade de
Paracatu, a Caretada perdeu muito a sua importância, devido às transformações
que impactaram as comunidades quilombolas: a perda de território para a
mineração, com o desaparecimento dos quilombos Machadinho e Família dos Amaros
(INCRA, 2009), e a transição religiosa pelo avanço das seitas evangélicas, que
promovem a perda de cultura das religiões afro-brasileiras, suas tradições,
celebrações e festas (SILVA, 2019).
Atualmente, há um esforço para recuperar a tradição da
Caretada, Como parte das festividades de comemoração da Independência do
Brasil, em setembro de 2022, cerca de 30 integrantes do Grupo de Caretagem do
Quilombo Família dos Amaros apresentaram a Caretada em Lisboa, Portugal, no
Padrão dos Descobrimentos. (PREFEITURA MUNICIPAL DE PARACATU, 2023)
A importância cultural da Caretada está em preservar tradições que representam a maioria da população preta e miscigenada da cidade; além disso, ela é um elemento simbólico da resistência dos quilombos ao regime de escravidão.
REFERÊNCIAS
ENCONTROTECA.
Caretada de Paracatu. Obtido em: https://www.encontroteca.com.br/
grupo/caretada-de-paracatu. Acessado
em 07/03/2023.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária. (2009). Relatório Técnico de Identificação e Delimitação
(RTID) elaborado pelo Grupo Técnico constituído através da Ordem de Serviço
INCRA/SR-06/GAB/Nº 69/09, de 15/05/2009.
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Núcleo Histórico Urbano de Paracatu: Dossiê de Tombamento.
Organizado por: Carolina Costa Moreira dos Santos e Adriana Paiva de Assis. IPHAN,
2012.
IPHAN -
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Paracatu (MG).
Obtido em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/374/. Acessado em 07/03/2023.
LEI.A. SÉRIE ESPECIAL I Os bens culturais de
Paracatu, a “Princesa do Sertão”. Obtido em https://leia.org.br/serie-especial-i-os-bens-culturais-de-paracatu-a-princesa-do-sertao/.
Acessado 07/03/2023.
OUTROS
RELATOS. Conheça as principais igrejas em Paracatu Minas Gerais.
https://outrosrelatos.com.br/paracatu/igrejas-em-paracatu/. Acessado
07/03/2023.
PARACATU
MEMÓRIA. Casa de Cultura. Obtido em: https://paracatumemoria.wordpress.com/casa-de-cultura/.
Acessado em: 16/03/2023.
PARACATU.NET.
Foto histórica da Igreja de Nossa Senhora do Rosário ... Obtido em:
https://paracatu.net/view/3424-foto-historica-da-igreja-de-nossa-senhora-do-rosario-dos-pretos-livres.
Acessado em 07/03/2023.
PREFEITURA
MUNICIPAL DE PARACATU. Caretada de Paracatu abrilhanta o bicentenário da
independência em Portugal. https://www.paracatu.mg.gov.br/portal/noticias/0/3/2867/caretada-de-paracatu-abrilhanta-o-bicentenario-da-independencia-em-portugal.
Acessado em: 16/03/2023.
SMCT -
Secretaria Municipal de Cultura de Paracatu. (1997). Inventário do
Patrimônio do Acervo Cultural – Paracatu / MG. Paracatu: SMCT, 1997.
_______.
(2017). Dossiê de Registro do Modo de Fazer Pão de Queijo. Elaborado
por: Adriana Paiva de Assis e Carolina Costa Moreira dos Santos. Paracatu :
Secretaria de Cultura, 2017.
SILVA, Keli Evangelista da. Um olhar além da máscara
[manuscrito]: análise da Caretada como forma de preservar a identidade e
cultura em Paracatu. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás,
Unidade Acadêmica Especial de História e Ciências Sociais, Catalão, Programa de
Pós-Graduação em História (profissional), Catalão, 2019.
SMCT –
Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Paracatu. Inventário de
Proteção ao Acervo Cultural de Paracatu / MG, Ficha 06, 1997.
VISITE
PARACATU. Largo da Jaqueira será palco da 1ª Exposição Cultural. Obtido
em: http://visiteparacatu.com.br/tag/largo-da-jaqueira/. Acessado em 15/03/2023.
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