As desigualdades sociais e a cidade global
Muitos são
os problemas enfrentados pelas cidades globais. Sejam elas dos países desenvolvidos
ou dos em desenvolvimento. Nenhum dos aspectos pode caracterizar melhor esse
fato do que as desigualdades sociais tão evidentes dentro da cidade global As
cidades globais dos países em desenvolvimento enfrentam problemas de todas as ordens
e natureza.
Um dos
problemas mais graves enfrentados pelas cidades globais tem sido o desemprego. O
que verificamos é que os setores de serviços financeiros, marketing, alta
tecnologia, estão colhendo lucros bem maiores do que jamais renderam os setores
econômicos tradicionais. Assim, com a escalada contínua dos salários e das
bonificações das áreas mais especializadas das camadas mais ricas, caem os
salários dos trabalhadores empregados em serviços considerados de segunda
categoria – segurança, limpeza, secretaria. O que testemunhamos é a valorização do trabalho que está na
vanguarda da nova economia global e a crescente desvalorização do trabalho que
se desenrola atrás dos bastidores. Essa situação se agrava mais ainda nos
países em desenvolvimento.
A partir de
uma entrevista feita com o geógrafo Milton Santos, em 4 de janeiro de 2001, é
discutido o tema da globalização e seus efeitos nos países em desenvolvimento.
Neste documentário, Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do
Lado de Cá, dirigido por Silvio Tendler, Santos reflete sobre as
contradições do processo de globalização que considera uma globalização
perversa e propõe uma outra globalização. O cineasta entrevista um conjunto de
intelectuais e estudiosos que conhecem o pensamento de Santos como, Paul
Claval, Maria Adélia Aparecida de Souza, Roberto Lobato Corrêa, Manoel Correia
de Andrade, Carlos Walter Porto-Gonçalves. O documentário nos ajuda a pensar os
aspectos e singularidades da globalização no Brasil e no mundo.
Texto complementar
Milton Santos
A globalização pretende ser homogeneizadora,
como presença obrigatória em todos os continentes e lugares. E a promessa de
construção de um mundo só estaria incluída nesse movimento. Todavia, tal
pretensão até agora apenas renova disparidades e cria novas desigualdades, o
que é devido à violência dos seus processos fundadores, todos praticamente
indiferentes às realidades locais. A aplicação brutal de princípios gerais a situações
tão diversas é criadora de desordem. Por isso mesmo, a globalização beneficia apenas
uma parcela limitada de atores, enquanto causa transtornos e danos à maioria das
empresas e das pessoas.
Segundo as condições preexistentes nos países
ou como resultado da forma como estes se dispuseram a participar do novo
período histórico, os territórios e as populações conhecem uma variedade de
impactos, características de sua situação atual. Há, desse modo, países mais ou
menos sensíveis ou mais ou menos infensos aos resultados do processo
globalitário.
Este representa uma vontade arrebatadora de
dominar o mundo, para afeiçoá-lo à sua imagem, mas as consequências variam
segundo as condições locais de adaptação à nova ordem e o próprio interesse das
nações hegemônicas.
O caso do Brasil é típico. Trata-se de um
país cujas elites são caracterizadas por um gosto ancestral pelas modernidades.
Sua história é uma sucessão de aberturas, nem sempre confessadas, mas que
redundam num processo de imitação, às vezes grotesco, mas considerado moderno.
Para isso contribui de modo marcante a força das mencionadas elites na
formulação do que se pode chamar de um retrato do Brasil; e até mesmo uma boa parte
das elites intelectuais parece haver renunciado à constituição de uma ciência
própria, contente de ir buscar lá fora aprovação e legitimação para suas
práticas intelectuais. Com a emergência e expansão das classes médias ainda
mais água foi levada a esse moinho, movimento para o qual o papel amolecedor do
consumo foi determinante.
Outro problema enfrentado pelas cidades
globais é o déficit habitacional. Quanto mais essas cidades se sofisticam mais
crescem as contradições no espaço urbano. Os mais prejudicados são os
trabalhadores de baixa renda, que não podendo arcar com aluguéis e nem
prestações de imóveis altos, investem seus parcos recursos em imóveis na
periferia da cidade. Grande parte dessas áreas sofrem com a escassez de
serviços urbanos básicos.
As políticas públicas investem quase sempre
no centro das cidades e nas áreas mais valorizadas das cidades globais, para as
áreas marginalizadas sobram poucos recursos. A maior parte dessas pessoas não
vive no que normalmente entendemos por cidades, mas em imensos subúrbios sem
infraestrutura e serviços, os quais escapam a qualquer conceituação
tradicional.
Recentemente, esse país já aberto deu sinais
de querer abrir-se todo, a abertura sendo a principal palavra de ordem na
economia, na cultura e na política. Os postulados essenciais da política
econômica e até mesmo da política social são importados como um pacote fechado.
É dessa forma que o Brasil se torna paralelamente um país desarmado; e, o que é
pior, desarmado de dentro. E isso implica a falta de apetite para uma discussão
mais aprofundada das opções que poderia seguir. Foi assim que a nação, tornada
indefesa por suas próprias mãos, tornou-se uma presa fácil para tudo o que foi
sugerido de fora, sem outra consideração que a obediência a esse credo. Entre
os próprios bolsões de resistência, as demissões foram se dando cada vez mais
numerosas, inclusive nas elites intelectuais cujo dever, entretanto, seria o de
pensar criticamente as novas situações, de modo a oferecer visões diferentes e
apontar as opções cabíveis. É significativo assinalar que entre as mencionadas
elites intelectuais rareou a busca de interpretações globalizantes do país,
ampliou-se o desinteresse pela questão nacional e, num plano mais alto,
reduziu-se o debate sobre a própria questão civilizatória. Tudo isso, ajudado pelo
papel da propaganda, da moda e da mídia, acaba por ter um papel claramente deformador
na formação da consciência das gerações montantes, ao mesmo tempo em que as diferentes
manifestações de cidadania se tornam ainda mais difusas e débeis.
Esse conjunto de circunstâncias explica a
relativa demora da opinião pública para se aperceber dos malfeitos da
globalização perversa e, em consequência, elaborar um conjunto coerente de ideias
e interpretações da nova realidade nacional, de modo a influir eficazmente na
vida política mediante a influência que possam ter sobre a doutrina e a prática
dos partidos.
Agora, finalmente, parece que a nação acorda,
ainda aturdida pelo pesadelo em que vive. É auspicioso constatar que ela está
dando mostras de estar chegando a um limite quanto à aceitação da situação que
se criou com a aceitação sem peias do processo de globalização. Falta, sem
dúvida, que as manifestações de violência ou revolta, de inconformidade ou de
desconforto que atingem a maioria da população, parem de ser aceitas e tratadas
como fatos isolados e que se reconheça a vida sistêmica de todos esses males e
de todas essas reações aparentemente excepcionais. Dessa forma, ver-se-á que a
sua existência é devida aos efeitos da globalização perversa, que a atual
política econômica insiste em preservar. Será a partir desse marco que os
movimentos sociais poderão ser reestruturados e que a vida partidária poderá
obter um novo elo, de modo tal que a atividade política possa dar maior atenção
aos interesses da nação e ao bem-estar das classes populares.
Fonte: http://pessoal.educacional.com.br/up/4770001/1306260/t1311.asp.
Acesso em: 20 de dez 2009.
Visando
amenizar as contradições, os planejadores/empreendedores urbanos convertem a
rua – que um dia foi vital para o pedestre – em via de trânsito rápido e contínuo
e transformam parques e praças públicas em áreas estéreis ou em receptáculo
temporário de moradores de rua. A cidade global possui várias centralidades,
umas das mais importantes, além do Centro, são os mega-shopping centers que, quase sempre, localizam-se nas
áreas mais valorizadas da cidade global. O shopping se transformou no espaço de
compras e consumo onde o citadino busca resolver suas angústias existenciais e
se sente seguro diante das câmeras do policiamento privado.
Governando as cidades globais
A cidade moderna
convive hoje com duas realidades que causam profundas transformações no seu
conteúdo e forma. Assim como a globalização, a urbanização também produz
contradições. Seus efeitos sobre a cidade tanto podem ser criativos como
destrutivos. Por um lado, estimula a concentração de pessoas, mercadorias,
serviços, ideais e oportunidades. Por outro, fragmenta o espaço urbano,
enfraquece a coesão entre os lugares, as tradições e as redes de relações.
A
urbanização também estimula o individualismo, as neuroses urbanas e a
violência. Quanto mais complexa a realidade urbana maiores são as
possibilidades de se desenvolver determinadas neuroses urbanas. A violência
urbana é o mal que assola as comunidades que vivem em centros urbanos. Abrange
toda e qualquer ação que atinge as leis, a ordem pública e as pessoas. Muitas
são as causas da violência. A principal delas é a exacerbação das desigualdades
sociais que se expressam na paisagem urbana das cidades globais.
O desemprego,
os baixos salários, a falta de acesso a educação, saúde e segurança, são apenas
alguns serviços de que carece
grande parte da população urbana. Ao mesmo tempo em que a globalização agrava
os problemas enfrentados por cidades do mundo inteiro, ela também proporciona
espaço para que as cidades se tornem lugares de produtividade e
competitividade. As cidades globais nas últimas décadas ganharam uma importância
nunca vista à medida que os estados-nações têm cada vez menos condições de
administrar as tendências globais. Por outro lado, os estados-nações continuam
grandes demais para lidar com questões das áreas urbanas cosmopolita, questões
de natureza local.
Nesse
sentido, o papel das cidades enquanto agentes políticos e econômicos só tende a
crescer. Os administradores municipais hoje conseguem lidar melhor com os
efeitos da globalização. As cidades, em função da sua estrutura de comunicação
e transporte podem contribuir mais para a produção de riqueza, promover a
integração sociais e cultural e servir como base e foro de acesso para a
atividade política. Nos últimos anos os prefeitos estão assumindo
responsabilidade em âmbito político de grande importância, visando cumprir a agenda
urbana, que tem se tornado cada dia maior.
Assim, com
o progresso da globalização, é provável que o papel das cidades se amplie ainda
mais nas próximas décadas. Muitos dos problemas enfrentados pelas grandes
cidades globais estão, na realidade, vinculados a questões internacionais, como
os problemas ambientais, a tecnologia de informação, a integração econômica, a
migração e o comércio.
Resumo
Nesta aula,
vimos como o processo de globalização afeta o conteúdo e a forma das cidades
globais. A globalização não é apenas um fenômeno econômico, mas, sobretudo,
cultural que afeta as populações nos seus lugares de moradia. Esse um processo
complexo e muitas vezes difícil de se compreender, tendo-se em vista as várias
relações que se estabelecem no âmbito do espaço urbano, está na ordem do dia
dos cientistas sociais. Nas últimas décadas as cidades globais adquiriram uma
grande importância. Grande parte da economia mundial passa por essas cidades
Elas, através da participação das empresas transnacionais, determinam as
condições econômicas dos circuitos globais. Ao mesmo tempo em que a globalização
traz desenvolvimento econômico e social, ela (globalização), também, contribui
para aprofundar as diferenças sociais nas cidades. Hoje essas cidades lidam com
grandes contingentes populacionais, com o desemprego em massa, com os problemas
ambientais, com o déficit habitacional e com a violência urbana.
Os
prefeitos e administradores urbanos, através dos urbanistas e empreendedores, tentam
através de seus planos estratégicos amenizar os problemas urbanos. No entanto,
o que temos observado é a exacerbação das contradições urbanas e o fortalecimento
dos governos locais, que buscam formas de investir nas cidades, visando
amenizar o desemprego e as contradições aí existentes.
SILVA, Regina Celly Nogueira e MACÊDO, Celênia de Souto. Geografia Urbana. Universidade Federal
do Rio Grande do Norte e Universidade Estadual da Paraíba. Programa
Universidade a Distância.
ATIVIDADE AVALIATIVA 8-2019
- Por que Milton Santos afirma que a
globalização beneficia apenas uma parcela limitada de atores, enquanto causa
transtornos e danos à maioria das empresas e das pessoas?
Porque ela
acentua as disparidades econômicas e sociais tanto entre países como entre as
empresas e as pessoas. Ela tem gerado alta concentração financeira e acentuado
avanço tecnológico entre os mais ricos e, por outro lado, acentuado a pobreza,
a estagnação economia e o atraso tecnológico dos países, empresas e pessoas
pobres. A maioria destes últimos encontram-se endividados e submetidos à
condição de fornecedores de produtos primários, serviços de baixa qualificação
e mercado de consumo de bens de alta tecnologia dos mais avançados.
- Para
Milton Santos, qual o papel dos movimentos sociais em um mundo globalizado?
O papel dos movimentos sociais na luta pelos
direitos é de denúncia e enfrentamento das imposições que se fizeram sobre os
países e especialmente sobre a maioria de sua população que só acentuam as
disparidades ao invés da equidade entre as diversas camadas da população.
Mostrar que os fatos que se sucedem (desemprego, carestia, perda de garantias,
marginalização) não são isolados, mas fazem parte de uma globalização voltada
para os interesses das classes e países dominantes.
- O que
Milton Santos quer dizer quando se refere a globalização como globalização
perversa?
A globalização pretende ser
homogeneizadora, como presença obrigatória em todos os continentes e lugares. E
a promessa de construção de um mundo só estaria incluída nesse movimento.
Todavia, tal pretensão até agora apenas renova disparidades e cria novas
desigualdades, o que é devido à violência dos seus processos fundadores, todos
praticamente indiferentes às realidades locais. A aplicação brutal de
princípios gerais a situações tão diversas é criadora de desordem. Por isso
mesmo, a globalização beneficia apenas uma parcela limitada de atores, enquanto
causa transtornos e danos à maioria das empresas e das pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário