A regulação do uso e da ocupação do solo urbano representa a
materialização das relações socioeconômicas vigentes nas cidades, em função de
condicionantes ambientais, legais e de características de infraestrutura
instalada. Dessa forma, políticas urbanas de mobilidade — transporte urbano e
sistema viário —, saneamento básico, aproveitamento dos recursos hídricos,
preservação ambiental, habitação, rede de saúde, segurança, desenvolvimento
socioeconômico, entre outras, produzem repercussões diretas no território e,
por isso, têm na regulação do uso e da ocupação do solo um de seus principais
instrumentos.
A concepção tradicional das políticas de uso e ocupação do solo urbano
fundamenta-se no Plano Diretor como instrumento técnico-jurídico precípuo da
gestão do espaço urbano, definindo as macrodiretrizes urbanísticas das cidades.
Tais diretrizes dispõem sobre as regras para o adensamento, a expansão
territorial, a definição de zonas de uso do solo e das redes de infraestrutura.
Entretanto, essa abordagem tradicionalista impõem a grande parte das cidades
brasileiras consideráveis barreiras de operacionalização dos Planos
Diretores.
Na mesma linha, a legislação de uso e ocupação do solo se concentra em normas técnicas que tratam de edificações e de zoneamento que, em virtude do excessivo nível de detalhamento técnico-jurídico, implicam remeter à ilegalidade a maior parte das edificações. Isso porque as normas de edificações normalmente estabelecem parâmetros detalhados sobre amplo escopo dos aspectos das edificações — em cujo escopo se incluem tanto a interação da construção com seu entorno (recuos, número de pavimentos, altura) quanto a sua configuração interior (critérios de insolação, ventilação e dimensão de cômodos).
Por sua vez, o zoneamento baseia-se em uma concepção da gestão do espaço urbano amparada na ideia de eleger os usos possíveis para determinadas áreas da cidade. Dessa forma, o que se pretende é evitar conflitos e repercussões negativas entre os usos. A cidade é dividida em zonas industriais, comerciais, residenciais, institucionais e em zonas mistas, combinando tipologias diferentes de uso. Em alguns casos, esse zoneamento da cidade inclui várias categorias para cada um dos tipos de zonas. Essas categorias são diferenciadas, via de regra, em termos de adensamento dos lotes, ou seja, pela normatização do percentual máximo da área dos terrenos que pode ser edificada, do número de andares das construções ou da área máxima construída.
Essa visão tradicional caracteriza-se por um padrão de determinação dos tipos de usos em função de usos já consolidados. Assim, o papel da legislação se restringe a direcionar a ocupação da cidade como forma de legitimação do espaço construído, desconsiderando o caráter de sua dinâmica, mesmo que perversa e excludente.
Em razão das limitações dos instrumentos tradicionais de regulação do uso e ocupação do solo, tem surgido recentemente uma nova abordagem de regulação do uso e da ocupação, evidenciada pelo próprio Estatuto da Cidade, que estabeleceu, em suas diretrizes, a simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas de construção. Tais enfoques apresentam algumas características centrais1:
- O rompimento da
visão tradicional da cidade fragmentada em zonas especializadas, segundo a qual
para cada área são definidos usos claramente diferenciados. Esse conceito é
substituído pela concepção da cidade como espaço de prática da cidadania e
convívio social. Concretamente, isso significa adotar uma regulamentação do
espaço urbano mais flexível, com a legislação acompanhando a dinâmica de
transformação contínua do espaço urbano, com ênfase na abordagem de policentralidades
e mistura de usos;
- A
desregulamentação e a simplificação da legislação, as quais visam construir
instrumentos mais simples de controle do uso e ocupação do solo. A essência
dessa nova instrumentalização fundamenta-se nas ideias de que a legislação deve
explicitar seus objetivos e de que o acesso à terra urbana seja democratizado.
Nesse sentido, visa-se remover o excesso de regulamentação, sobretudo quanto às
normas de construção;
- A incorporação
de mecanismos de apropriação social dos benefícios da urbanização que assegurem
a manutenção dos direitos coletivos e o interesse da cidade, ao mesmo tempo em
que se abandona o excesso de regulamentação. Isso significa instrumentalizar a
regulação de forma que o particular assuma os ônus dos impactos gerados pelo
empreendimento. Tais instrumentos evidenciam-se, por exemplo, na cobrança pelo
direito de construir área adicional à do terreno, como compensação à sobrecarga
gerada pelo empreendimento sobre a infraestrutura urbana, na responsabilização
do empreendedor pela resolução de impactos negativos gerados pelo
empreendimento e na definição de áreas passíveis ou não de adensamento, tendo
em vista o incremento da eficiência do uso da infraestrutura urbana.
1 VAZ, José
Carlos. Legislação de uso e
ocupação do solo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. Disponível
em: <http://www2.fpa.org.br/formacao/pt-no-parlamento/textos-e-publicacoes/legislacao-de-uso-e-ocupacao-do-solo
Texto extraído de: https://politicaspublicas.almg.gov.br/temas/uso_ocupacao_solo_urbano/entenda/informacoes_gerais.html?tagNivel1=205&tagAtual=10182
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