É urgente o empenho de todos pela transformação
coletiva dos nossos espaços urbanos em prol de um desejado ‘envolvimento
humano-ambiental’
No
último século, o rápido crescimento dos centros urbanos, que se deu em
decorrência do êxodo rural vivenciado pelas populações pobres no Sul Global, gerou
muitos problemas ambientais e sociais. Agora, além dos habituais aspectos
biofísicos das degradações encontrados na relação conturbada entre meio
ambiente e o sistema econômico capitalista, os questionamentos a esse modelo
precisam passar por compreender as desigualdades que ele produz e avançar nas
propostas de transformações dessa realidade.
Nas
nossas cidades, presenciamos milhares de quilômetros de rios poluídos,
enquanto vemos centenas de milhares de torneiras secas. Também ouvimos
sobre criminalização de comunidades das ocupações por moradia em áreas de
proteção ambiental, enquanto assistimos à iniciativa privada e ao poder público
promoverem conjuntos residenciais gigantescos nas mesmas áreas.
São
contradições que ultrapassam o debate ecológico, mas, como ainda são suas
pautas, é preciso um engajamento contrário a essa racionalidade desigual de
produção espacial com base na justiça ambiental. Por esse motivo, há algumas
décadas, a incompatibilidade de uma convivência equilibrada entre o meio ambiente
e a produção capitalista do espaço urbano tem sido assunto de pesquisas
científicas, com alguns rebatimentos em políticas públicas e legislações
específicas.
Mas,
antes do “triste fim da aquarela brasileira”, temos possibilidades de
esperança! E o melhor: elas vêm dos aprendizados com a própria terra e seus
elementos. Precisamos reaprender a lidar com tempos diferentes dos que nos
impôs a lógica capitalista e reverter a visão do uso do espaço
natural como um recurso a explorar infinitamente. Nesse sentido, a
agroecologia, vinda dos meios rurais ou praticada em vazios urbanos, tem
apontado diversas transformações na luta popular por um desenvolvimento
econômico e ecológico que se paute na justiça social.
Em
síntese, a agroecologia é uma prática ampla de “usar o bioma a seu favor”. Ela
abrange mais do que um sistema de plantio/colheita, abrange a inserção do que
se pretende plantar num ciclo ecossistêmico que inclui conhecer a natureza e
suas características favoráveis a determinadas culturas. Para melhor aproveitar
das condições que a terra fornece para a produção agrícola é necessário
integrar diversos saberes, científicos e populares. Além disso, vale lembrar que
o pensamento agroecológico visa incluir os reais custos da exploração de
elementos naturais no processo produtivo, como calcular efetivamente o valor
dos gastos de água nos produtos, mesmo aqueles em que praticamente não se vê a
quantidade utilizada.
Por
fim, não existe revolução agroecológica sem reforma agrária (e, incluo,
urbana), pois a reprodução da propriedade privada e de monocultura, apesar de
lucrativa, não dialoga com as diversas capacidades da terra. Um bom exemplo
está na na Zona Norte de São Paulo, onde a resistência criativa do assentamento
Irmã Alberta tem permitido a colaboração de dezenas de famílias na prática da
agroecologia para regeneração ambiental de uma área antes utilizada para
silvicultura. Além da subsistência, a produção local também tem se conectado a
trabalhos de extensão universitária e coletivos de alimentação.
Nas
cidades altamente fragmentadas (que geram espaços vazios) e com solos
degradados (que inviabilizam a produção de comida), estabelecer um marco de reaproximação
com as questões ambientais precisa passar por integrar conhecimentos e
respeitar os próprios direitos da natureza. Também é importante lembrar que a
espoliação urbana, que submete os trabalhadores urbanos a extensas horas
perdidas em transportes públicos, lhes rouba tempo até para a própria
conscientização e soberania alimentar, quanto mais para práticas agrícolas.
É
urgente o empenho de todos nós pela transformação coletiva dos nossos espaços
urbanos em prol de um desejado “envolvimento humano-ambiental” que vise
sustentar todas as formas de vidas, sem manter a prevalência de umas sobre as
outras, também nas nossas cidades. Mais uma vez, a união das reformas urbana e
agrária é convergência fundamental no Sul Global!
Ao
longo da última década, foram experimentadas políticas públicas e programas que
vão ao encontro dessas possibilidades de ser uma transição agroecológica ao
nosso processo de produção do espaço urbano. Dentre os possíveis exemplos, boas
práticas foram alcançadas com a demarcação de territórios indígenas e o
reconhecimento das áreas rurais no Plano Diretor do município de São Paulo, bem
como o fortalecimento das redes locais entre pequenos produtores agrícolas e o
consumo em merendas escolares, por meio do programa “Ligue os Pontos” –
iniciativa que, inclusive, foi premiada internacionalmente. Ou seja, temos
diversos caminhos para articular ainda mais as perspectivas de uma
sustentabilidade urbana popular.
Em
2019, o Brasil viu o maior acidente ambiental-trabalhista de sua história, em
Brumadinho. As queimadas na Amazônia, mortes (e/ou perseguições) de ativistas
ambientais, derramamento de resíduos de petróleo e o desmonte de uma estrutura
reguladora das atividades que podem degradar ainda mais nosso meio ambiente.
Ainda
não se pode prever quais serão todas as consequências de uma agenda ecocida
como essa, mas a alienação de uma população, no campo ou na cidade, que se
sente incapaz de conter a exclusão socioambiental e as próprias mortes, não
tende a um futuro promissor. Nos resta conhecer e engajar na ação direta, seja
em lutas locais (alô, MST e #brcidades!) ou na contestação ao modelo global
(vide a juventude – inclusive brasileira, por meio da organização “Engajamundo”
– que foi à ONU denunciar as violências ambientais que temos vivido). Mais do
que nunca, é preciso se unir aos agentes transformadores e abraçar a causa do
meio ambiente urbano como um direito coletivo fundamental a todas as vidas
terrestres.
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