quarta-feira, 19 de setembro de 2018

PENSAMENTO ECOSSISTÊMICO

Sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. Todo e qualquer organismo é uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais... e por ecossistemas, que consistem numa variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. (Fritjof Capra. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 260).


Ecossistema é o nome dado a um conjunto de comunidades que vivem em um determinado local e interagem entre si e com o meio ambiente, constituindo um sistema estável, equilibrado e autossuficiente. 
Um ecossistema é formado por dois componentes básicoso biótico e o abiótico.
O primeiro diz respeito aos seres vivos da comunidade, tais como plantas e animais.

Os componentes abióticos são as partes sem vida do ambiente, como o solo, a atmosfera, a luz e a água. Esses fatores são fundamentais para a manutenção da vida, pois garantem a sobrevivência das espécies, atuando, inclusive, no metabolismo dos seres vivos, como é o caso da água.
A palavra Ecossistema significa “sistema onde se vive”.

Um ecossistema social é um conjunto dinâmico de relações, serviços mútuos e interdependências que maximiza a probabilidade de sobrevivência dos seus integrantes.

Ecossistema é um sistema formado por um meio natural e pela comunidade de organismos animais e vegetais, assim como as inter-relações entre ambos.


Pensamento ecossistêmico é a percepção da realidade, onde se trabalha com a interdependência dos fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, culturais, econômicos e político-institucionais. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. O mundo é visto pela concepção sistêmica em termos de relações e interações.

Quanto mais evoluído, isto é, complexo e rico for um sistema, mais aberto ele será. Assim, o homem é o sistema mais aberto de todos, o mais dependente na independência. Entende-se como ecossistema não só a natureza, mas também o ecossistema técnico-social, que se sobrepõe ao primeiro e o torna ainda mais complexo. O ecossistema social, ou ecossistema sociourbano, contempla um sentido mais rico. (Morin. E Sociologia: a sociologia do micro-social ao macroplanetário. Portugal: Publicações Europa-América, 1984, p. 251)

O ecossistema sócio-urbano não é senão a sociedade moderna considerada do ponto de vista ecológico, ou seja, do ponto de vista dos indivíduos, grupos, instituições, e etc, que estão, no interior, em relação de sistema aberto ao ecossistema. Ora, quanto mais evoluída for a sociedade, quer dizer, quanto maiores forem o número, o lugar, o papel dos artefatos, objetos produzidos pela e para a atividade industrial, maior é o caráter “técnico” do ecossistema social.

As características de um ecossistema sócio-urbano estão vinculadas, portanto, à idéia de relações e interações no seio do aglomerado urbano. Assim, além do aspecto meramente populacional, nesse aglomerado interferem também as organizações e as instituições econômicas, políticas, culturais, sociais, os artefatos, as máquinas e produtos múltiplos, os grupos sociais e os indivíduos.

O ecossistema sócio-urbano compreende também elementos e sistemas vivos constitutivos do meio natural: clima, atmosfera, subsolo, microorganismos vegetais e animais; este ecossistema nutre-se energicamente dos alimentos extraídos do ecossistema natural (inclusive carvão, gás, água, derivados de petróleo). A maior parte destes elementos e destes alimentos são-lhe absolutamente vitais.

Os ecossistemas são interdependentes, isto é, eles se afetam mutuamente, porque não existem ecossistemas fechados. Todos os ecossistemas têm entradas (inputs) e saídas (outputs). Para existirem, o seu metabolismo consome entradas vindas de outros sistemas, assim como promovem saídas para outros sistemas. A imagem a seguir mostra algumas entradas e saídas do ecossistema urbano.



Os ecossistemas não são coisas estáticas, eles são entidades dinâmicas compostas de processos deauto-organização. Ecossistemas representam um equilíbrio, um ponto ótimo de operação e este balanceamento está mudando constantemente para se adaptar a um ambiente variável.

Metas de administração que envolvem a manutenção de algum estado fixo em um ecossistema, maximizando alguma função ou minimizando alguma outra função, sempre conduzirá a um desastre em algum ponto. Por exemplo, numa época de crise econômica os governantes costumam maximizar a importância do sistema econômico em detrimento do sistema social. Se isto é elevado a um nível agudo, o sistema social entra em crise, e isto pode ocasionar o colapso de todos os outros sistemas, inclusive o próprio sistema econômico.


Se as atividades humanas mantêm a integridade de auto-organização das entidades que nós chamamos vida, nós estaremos certos. Caso contrário, nós seremos selecionados fora dos sistemas. Nós temos uma escolha simples, ser os cuidadores da integridade ou desfazedores da integridade dos ecossistemas.
Este texto foi extraído e modificado de:



MILIOLI, Geraldo. O pensamento ecossistêmico para uma visão de sociedade e natureza e para o gerenciamento integrado de recursos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 15, p. 75-87, jan./jun. 2007. Editora UFPR. 

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Para abordar a questão do “desenvolvimento sustentável”, é preciso discutir separadamente os conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade.
De acordo com Almino (1993) o conceito de desenvolvimento prevalente no mundo atual é uma utopia desenvolvimentista baseada no padrão de produção e consumo dos países desenvolvidos, portanto, ecologicamente insustentável. Os modelos de desenvolvimento que têm prevalecido nos países em desenvolvimento são impostos pelos países do Primeiro Mundo e implicam a criação de vínculos comerciais e de investimentos, os quais acentuam a exploração de recursos naturais necessários à industrialização. Para o autor, é necessário ocorrer a revisão das formas de desenvolvimento e dos padrões de produção e consumo para que eles sejam sustentáveis para toda a humanidade; entretanto, considerando-se que a pobreza também se encontra na raiz dos problemas ambientais, a solução terá que contemplar o crescimento econômico bem concebido e socialmente distributivo. Sua abordagem deixa claro que se os países em desenvolvimento seguirem os modelos e padrões estabelecidos pelos países ricos, as consequências serão nefastas para o meio ambiente e, por conseguinte, para a humanidade.
Ignacy Sachs, o economista que em 1972 formulou o conceito de ecodesenvolvimento, que mais tarde daria origem à expressão “desenvolvimento sustentável”, defende que não se pode parar o crescimento enquanto houver pobres e desigualdades sociais gritantes, mas que é necessário outro tipo de crescimento para outro desenvolvimento (SACHS, 2004).
Esse pensamento é corroborado por Furtado (2004: 484), citado por Veiga (2008), que assim resume a diferenciação entre crescimento econômico e desenvolvimento:
[...] o crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento.

Discutindo o significado de desenvolvimento, Veiga (2008) reconhece o papel importante do crescimento econômico para o desenvolvimento, mas afirma que no crescimento a mudança é quantitativa, enquanto no desenvolvimento ela é qualitativa, e que pode haver desenvolvimento sem que necessariamente haja crescimento econômico, e vice-versa. A questão do desenvolvimento, portanto, quando entendida também nos seus aspectos de justiça social e defesa ambiental, nos leva ao problema da sustentabilidade.
Sustentabilidade é uma palavra amplamente utilizada nos dias de hoje, de aceitação quase total, mas usada com sentidos muito distintos, adaptando-se a interesses tão diversos, que se tornou um jargão. Veiga (2008) cita o físico Murray Gell-Mann, prêmio Nobel de Física de 1969, que ao discutir o significado do adjetivo sustentável, conclui que há uma ‘desejabilidade’ junto com a sustentabilidade.  De maneira geral, as pessoas sabem o que é e o que não é desejável. A ausência de vida na Terra pode ser sustentável; o ar envenenado por cianeto, arsênio e outras substâncias tóxicas pode ser sustentável no planeta durante milhões de anos; o solo contaminado por agrotóxicos e metais pesados pode ser sustentável até que haja desaparecido a vida na Terra. Mas ninguém deseja ar envenenado, solo contaminado, vida destruída, água inutilizável e tantos outros produtos do crescimento econômico a qualquer custo. A sustentabilidade ambiental é baseada no imperativo ético de solidariedade com a geração atual e com as gerações futuras.
Para Hobsbawn (1995), apud Veiga (2008), ninguém sabe como se chegar a um equilíbrio entre a humanidade, os recurvos (renováveis) que ela consome e o efeito de suas atividades sobre o meio ambiente. O certo é que tal equilíbrio seria incompatível com uma economia baseada no lucro e na competição num mercado livre global.
Levando-se em consideração que a desejabilidade referida acima é uma condição histórica e cultural, o conceito de “sociedades sustentáveis” parece ser mais adequado que o de desenvolvimento sustentável, conforme defendido por Diegues (1992), porque possibilitaria a cada sociedade definir seus padrões de produção e consumo e seu bem estar, com opções tecnológicas e econômicas diferenciadas, a partir de sua cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural.
O crescimento dos países em desenvolvimento tem levado a um grande aumento do consumo de energia, emissões de gases na atmosfera e produção de lixo industrial, favorecendo a perda de biodiversidade e exaurindo determinados recursos. É conhecimento comum a degradação ambiental que se processa atualmente nas regiões industrializadas da China, Índia, México etc. Em nosso país, a degradação ambiental atinge não apenas as regiões industrializadas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, mas as extensas áreas de cerrado e floresta amazônica. O alto preço das commodities, sustentado atualmente pelo acelerado crescimento econômico do grupo de países denominado BRICS (Brasil, Rússia, China e África do Sul), repercute na expansão da “mega-mineração” a céu aberto e da agropecuária na América Latina. Além do desflorestamento, com perda da flora e da fauna endêmicas, acresce-se a demanda por água, o deslocamento populacional, a contaminação por agrotóxicos na monocultura intensiva e o surgimento de novas fontes de poluição. (SCOTTO, 2011)
Não se pode desvincular a sustentabilidade de uma comunidade de seu espaço socioambiental, isto é, do espaço onde ela se abastece de recursos e onde despeja suas emissões. Portanto, ao se considerar um empreendimento, sua sustentabilidade ecológica não se limita ao espaço de produção, porque se trata de um sistema aberto, com entrada e saída de recursos e emissões (MONTBELLER, 2008).
Entretanto, o modelo de desenvolvimento sustentável que se consagrou é o de adequação ambiental e social, e não de contestação ao modelo clássico de desenvolvimento, baseado no lucro e na competição. A administração dessa estratégia induziu a criação de sistemas institucionais e mecanismos legais de defesa ambiental, num cenário de modernização ecológica. (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010)
O interessante estudo de Enriquez (2008), realizado na perspectiva de desenvolvimento sustentável baseado na modernização ecológica, compara a trajetória de 15 municípios mineradores do Brasil, a partir de uma série de indicadores ambientais, econômicos, sociais e de governança, com a dos seus entornos não mineradores. A autora apresenta uma série de conclusões relevantes, quais sejam:
- por ser a mineração uma atividade, cada vez mais, intensiva em capital e poupadora de mão de obra, ela não tem papel efetivo para melhorar a equidade na distribuição da renda gerada;
- se ela contribui para a melhoria da qualidade da educação, por outro lado essa melhoria não se traduz em geração de emprego;
 - a mineração favorece uma "institucionalização ambiental" nos municípios onde ocorre, quando comparada ao seu entorno não minerador, mas isso provavelmente se explique pelos passivos ambientais da atividade ao longo dos anos em que a mineradora funcionou sem a existência ou aplicação de mecanismos regulatórios ambientais;
- nos municípios mineradores, os avanços na dimensão socioeconômica são fracos porque não existem regras adequadas do que deveria ser uma mineração socialmente sustentável.
Segundo Alonso e Costa (2002), a questão ambiental é um tema global, sempre presente nos fóruns internacionais, com extensas agendas de discussões e ampla disseminação na mídia. A organização da pauta ambientalista ocorreu no Brasil a partir do processo de redemocratização, que criou um espaço público para demandas ambientais. A partir da Constituição Federal de 1988, produziu-se o arcabouço jurídico-institucional que regulamenta as questões ambientais, tais como a legislação específica, as agências de controle, os institutos de mediação, os fóruns participativos de tomadas de decisão e os mecanismos de garantia ao meio ambiente saudável, como a Ação Popular e a Ação Civil Pública.

REFERÊNCIAS
ALMINO, João. Naturezas Mortas: A filosofia política do ecologismo. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, 155 p.
ALONSO, Angela; COSTA, Valeriano. 2002. Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil. Disponível em: <www.centrodametropole.org.br/pdf/Angela.pdf>. Acesso em: 25/8/2011.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant'ana . Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis: da crítica dos modelos aos novos paradigmas. Cadernos FUNDAP, v. 6, p. 22-30, 1992.
ENRIQUEZ, Maria Amélia. Mineração: Maldição ou Dádiva? São Paulo: Signus Editora, 2008, 424 p.: il.
MONTIBELLER, F. G. Espaço socioambiental e troca desigual. Interthesis. Florianópolis, 2008 Disponível em: >http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewFile/635/510<. Acesso em: 18/2/2012.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro : Garamond, 2004.
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed., Rio de Janeiro: Garamond, 2008, 220p.

ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais: Um novo campo de investigação. In: ZHOURI, Andréa e LASCHEFSKI, Klemens (org.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2010.

Texto extraído de:

SANTOS, Márcio José dos. O ouro e a dialética territorial em Paracatu: opulência e resistência. Dissertação de Mestrado. Univ. Católica de Brasília, 2012, p, 33-36.


CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL

Sustentabilidade social e ambiental são inseparavelmente inter-relacionadas , porque é dos serviços ambientais produzidos pelos ecossistemas que o homem obtém os benefícios para a vida em sociedade.

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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

É A CIDADE CAPITALISTA, ESTÚPIDO!


SÃO PAULO E OS PEDESTRES
Andre Leal
Postado em:16 de Setembro de 2011


Muito tem sido falado na mídia a respeito da campanha que a CET (Cia. de Engenharia de Tráfego) de São Paulo vem fazendo há cerca de três meses em prol do respeito aos pedestres no trânsito da capital paulista. Nada mais humano, mas que vem tarde e apenas mascara que a cidade capitalista é construída para o carro – transporte individual e apropriação indevida do espaço público, como sempre afirma Paulo Mendes da Rocha, por exemplo. Nada mais falacioso poderia ser também a ideia de um “rodoviarismo humanista”, como seguradoras querem nos vender em suas campanhas publicitárias (exemplo é “Trânsito mais gentil” da Porto Seguro). O transporte individual exacerba o individualismo e a noção de propriedade privada do espaço urbano, estimulando práticas tudo menos humanistas, mesmo naqueles que sabem dos males e das necessidades de se ter um “trânsito mais gentil”. [...]
Desde as grandes reformas do século XIX a cidade passou a ser construída com objetivos diferentes: em um primeiro momento era o controle das revoltas como a Comuna de Paris que os urbanistas queriam estabelecer com as grandes avenidas que abriram em meio à cidade medieval de Paris. Já no século XX, porém a história mudou e a cidade passou a ter sua construção motivada pelo princípio de desafogar a circulação dos automóveis individuais. Se Walter Benjamin via na poesia de Baudelaire os indícios da transformação que Haussmann promovera em Paris e definia sua visão sobre a modernidade instrumental, ele não poderia imaginar o que estaria por vir. O contato do flâneur[1] com os estranhos na multidão de uma metrópole e a perda de referências do habitante em relação à sua cidade natal marcou a obra de Benjamin, levando-o a associar a experiência do cidadão urbano moderno ao que ele chamou de perda da experiência. A cidade europeia, no entanto, conseguiu manter-se como espaço propício à “experiência” do flâneur e em sua maioria equilibra com considerável êxito a relação entre o transporte individual e o coletivo. Claro que nos EUA a situação é muito diferente: cidades como Los Angeles e Miami sofrem com os engarrafamentos e a falta de transporte coletivo abrangente, e é de onde os visionários prefeitos de São Paulo tiraram ideias que levaram à construção do famigerado Elevado Costa e Silva – o Minhocão, nome mais palatável do que o do general que foi homenageado por Paulo Maluf, aliás os três (viaduto, Maluf e Costa e Silva) se merecem imensamente!
De qualquer forma, uma cidade como Brasília, construída tendo em conta “a tecnologia de plantão da época”, como diria Alexandre Delijaicov, é uma cidade extremamente rodoviarista. No começo da década passada, porém, a administração de Cristóvam Buarque conseguiu incentivar o respeito ao pedestre estabelecendo uma nova cultura em meio às superquadras de Lucio Costa. O mesmo se deu na Colômbia, onde cidades como Bogotá e Medellín se tornaram referência para diversos projetos urbanos. Lá a prefeitura associou-se a grandes empresas por meio da renúncia fiscal – instrumento célebre dos tempos “pós-neoliberais” – para construir escolas, bibliotecas, museus, corredores de ônibus e teleféricos nas duas maiores cidades do país. A exemplo dos CEUs (Centro Educacional Unificado), construídos em São Paulo pela administração Marta Suplicy na década passada, as bibliotecas e escolas se tornaram um marco arquitetônico em meio às favelas que há anos estavam à margem da cidade “instituída”. Da mesma forma no Rio de Janeiro o teleférico do morro do Alemão e o elevador do morro do Cantagalo estão tornando-se emblemas na paisagem da cidade.
Essas ações, porém, escondem algo fundamental que está por trás da lógica que rege a construção urbana nesse começo de século. Ao mesmo tempo em que a CET realiza a campanha de “conscientização do motorista”, bilhões de reais são anunciados para a construção de viadutos na cidade de São Paulo – isso sem falar no bilhão e meio investidos na Marginal Tietê, ou “sarcófago do rio Tietê”, se preferirem. Da mesma forma, essa semana foram inauguradas mais duas estações da linha Amarela (linha 4) do Metrô paulistano, em obras desde 2004.  [...] Não será muito tempo para só uma linha? E é só a Cia. do Metrô abrir mão do controle da execução das obras para os erros e acidentes acontecerem. A cratera da estação Pinheiros que abriu em 2007 por erro de análise do terreno marcou a região, tragando para dentro de si sete pessoas e interditando 93 imóveis.
[...] O estímulo ao uso do espaço urbano pelos pedestres é fundamental para a qualidade de vida de qualquer cidade. E isso passa não apenas pelo respeito dos motoristas pela faixa de pedestre, mas também pela oferta de transporte público de qualidade (e barato) e ainda outro ponto fundamental: o bom estado das calçadas. Sendo sua construção e manutenção de responsabilidade do proprietário e não da prefeitura o que acabamos encontrando na cidade é uma colcha de retalhos e remendos e verdadeiras corridas de obstáculo para os pedestres. Mais uma vez o poder público entrega a construção da cidade a agentes privados. O resultado já conhecemos na forma da maior aglomeração urbana do hemisfério que não oferece o mínimo de qualidade de vida para seus habitantes.
Há pouco tempo atrás surgiu uma expressão interessante no site Carta Maior em comentário sobre editorial da revista ultraliberal The Economist e que foi seguida por outros como o sociólogo argentino Atílio Boron. O comentário da Carta Maior era o de que em 1105 palavras do artigo sobre o aquecimento global da revista não se mencionava nenhuma vez a palavra capitalismo; sugeriam portanto um outro título ao editorial: Bem vindos ao Antropoceno: é o capitalismo, estúpido! Sugiro então para a CET que sua campanha “Respeite o pedestre” passe a chamar-se: Respeite o pedestre: é a cidade capitalista, estúpido! E São Paulo pode ser considerada exemplo da cidade laisser faire[2] capitalista.

Questões para a interpretação do texto. GABARITO:

- Qual a visão do autor sobre a cidade capitalista e a mobilidade urbana?
A partir do século XX, a cidade passou a ter sua construção motivada pelo princípio de desafogar a circulação dos automóveis individuais; pouco se faz para a ampliação e melhoria do transporte coletivo, com oferta de transporte público de qualidade (e barato). Enquanto isso, as calçadas ficam em péssimas condições, dificultando ou impedindo o acesso aos pedestres, sendo sua construção e manutenção de responsabilidade do proprietário e não da prefeitura.
- O que o autor acredita ser a experiência de um cidadão urbano moderno?
As cidades europeias ainda preservam condições equilibradas, permitindo ao cidadão urbano usufruí-las. O mesmo não se dá em grandes cidades americanas e brasileiras, com engarrafamentos e falta de transporte coletivo abrangente, onde o contato do cidadão com estranhos na multidão e a perda de referências em relação à sua cidade natal leva-o a uma perda de experiência, isto é, não permitem que ele usufrua da cidade.
- Na visão do autor, qual a lógica que rege a construção urbana nesse início de século?
Neste início de século, a lógica da construção urbana continua sendo a ampliação do sistema viário para carros particulares, com a construção de viadutos e ampliação das vias de acesso rápido, enquanto que o sistema de transporte de massa, como linhas de metrô anda a passos lentos ou inexiste.
- O autor deixa claro ou subentendido que seria possível mudar a lógica da construção urbana na cidade capitalista? Explique.
Deixa subentendido que é possível mudar ao citar exemplos onde foram realizadas algumas mudanças através de projetos urbanos para construir escolas, bibliotecas, museus, corredores de ônibus e teleféricos nas duas maiores cidades da Colômbia (Bogotá e Medelin) e dos CEUs (Centro Educacional Unificado), construídos em São Paulo.


[1] flaneur  (francês); vadio, preguiçoso.
[2] laisser faire (francês): atitude que consiste em não intervir, em deixar agir as forças presentes.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

CIDADE CAPITALISTA

Se as cidades são o lugar da reprodução do capital, elas são, também, o lugar da incidência da pobreza e exclusão. A economia política da cidade capitalista, juntamente com a estética elitista da sociedade segregada, promove a limpeza dos espaços tirando da visão os excluídos, empurrando-os para as favelas, guetos e bairros.

O despovoamento das zonas rurais e as migrações para as grandes cidades, para onde vão grandes contingentes humanos à procura de melhores oportunidades de trabalho e bem estar, fazem surgir as metrópoles e suas zonas metropolitanas. Exemplo disso, a zona metropolitana de Santiago do Chile, com seus mais de 6 milhões de habitantes, agrupa 40% da população chilena.

As grandes metrópoles, por sua vez, são capazes de exercer enorme influência, inclusive a nível internacional, constituindo as cidades globais.

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terça-feira, 4 de setembro de 2018

A IMPORTÂNCIA DOS ESPAÇOS RESIDENCIAIS


Regina Celly Nogueira da Silva e Celênia de Souto Macêdo. A produção do espaço urbano. Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Universidade Estadual da Paraíba.



Nesses espaços encontram-se, frequentemente, residências e um comércio de bairro, onde as pessoas e famílias podem fazer suas compras para seu abastecimento diário, semanal ou mensal com gêneros alimentícios e outros de consumo rotineiro.
Os espaços residenciais são extremamente importantes. No Brasil, esses espaços tendem a se diferenciar entre si, sob o ângulo socioeconômico. Na cidade capitalista, a variável que irá definir onde cada habitante irá residir é a renda. A renda é a principal definidora dessa diferenciação (SOUZA, 2003). Na realidade, em termos muito gerais, essa diferenciação entre as áreas residenciais de uma cidade brasileira, reflete a posição social que cada grupo social ocupa no interior do espaço urbano.
Nesta citação, Souza explica com propriedade essa realidade:
Em outras palavras: diferenças econômicas, de poder, de status etc. entre diversos grupos sociais se refletem no espaço, determinando ou, pelo menos, influenciando decisivamente onde os membros de cada grupo podem viver. Essas diferenças econômicas, de poder e de prestígio são função de várias coisas, potencialmente: em uma sociedade capitalista moderna, são função, primeiramente, da classe social do indivíduo, a qual tem a ver com a posição que ele ocupa no mundo da produção. (SOUZA, 2003, p. 67)
Vale ressaltar, também, que outros fatores, além do econômico, devem ser considerados. Um dos exemplos mais marcantes dessa realidade verificou-se nas cidades sul-africanas da época do Apartheid, onde a população negra era obrigada a viver confinada em bairros pobres, como o conhecido bairro de Soweto, na periferia de Johannesburgo. Outro exemplo clássico desse modelo de urbanização são os Estados Unidos, onde pertencer a uma minoria étnica foi e continua sendo um fator decisivo para se determinar onde se irá viver (SOUZA, 2003).
Na cidade capitalista, a segregação residencial está presente de forma contundente. Esse fenômeno é resultado do modelo de urbanização adotado por nossas cidades. As classes de menor poder aquisitivo são forçados a viverem em áreas geralmente atraentes e bonitas, menos dotadas de infraestrutura urbana, insalubres, periféricas. Essas classes são formalmente excluídas de certos espaços, reservados para as classes e grupos dominantes da sociedade.
A segregação induzida está presente nas grandes, médias e até pequenas cidades. Podemos encontrar ainda, convivendo em um mesmo espaço, áreas onde se encontram condomínios verticais de luxo e grandes favelas. Muitas vezes, as classes menos favorecidas se instalam em áreas que estão sofrendo um processo de valorização do solo urbano por vários fatores (construções de shopping centers, centros comerciais, grandes vias e circulação), contribuindo para a valorização do solo urbano.
Como vimos, atualmente há cidades de diferentes tamanhos, densidades demográficas, funções e de diversas condições socioeconômicas e ambientais. Algumas desempenham apenas uma função urbana enquanto outras têm múltiplas funções. Algumas se estruturaram há séculos, conheceram o apogeu e a decadência, enquanto outras começaram a se desenvolver há poucas décadas ou anos, mas já conhecem o fenômeno da metropolização.
Na atual fase do capitalismo, a rede e a hierarquia urbanas se estruturaram em escala mundial, de forma muito mais densa do que em períodos históricos anteriores. Assim, a cidade e a vida urbana ganharam novas dimensões. A Revolução Técnico-científica vivenciada nas últimas décadas viabilizou um aumento na velocidade dos transportes e das comunicações, reduzindo o tempo de deslocamento das pessoas, mercadorias e informações entre os lugares.

RESUMO
Vimos que as primeiras cidades fazem seu aparecimento na esteira da chamada Revolução Agrícola. Graças à descoberta e prática da agricultura é que irão surgindo, aos poucos, assentamentos sedentários, e depois as primeiras cidades. Assim, com o desenvolvimento contínuo da agricultura, foi possível alimentar populações cada vez maiores, gerando-se, inclusive, um excedente alimentar. Assim, surge o que hoje denominamos de cidade. No entanto, é com o advento da Revolução Industrial no século XVIII que a cidade ganha importância fundamental. Dessa forma, a partir do final do século XVIII, observamos que as cidades ganham importância fundamental para o desenvolvimento do capitalismo comercial, a cidade voltou a ser o centro de trocas. Outro impulso fundamental à urbanização foi a volta do poder político às cidades. A cidade capitalista é essencialmente o lócus da produção industrial, concentradora de mão-de-obra, lugar onde se concentram as fábricas com seus equipamentos. Desse modo, para entendermos detalhadamente a cidade é necessário compreender sua organização interna, pois essa organização reflete a organização da própria sociedade.

A COMPLEXIDADE DO ESPAÇO URBANO


Regina Celly Nogueira da Silva e Celênia de Souto Macêdo. A produção do espaço urbano. Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Universidade Estadual da Paraíba.

Já sabemos que a cidade capitalista é uma entidade socioespacial muito complexa. No entanto, nós precisamos compreender como a cidade está estruturada internamente, ou seja, para entender a cidade é preciso conhece-la por dentro, saber como ela se estrutura.
Desse modo, para entendermos detalhadamente a cidade, é necessário “nos debruçarmos sobre aquilo que se chama de a organização interna da cidade, a qual é a chave para chegarmos aos processos sociais que animam o núcleo urbano e que estão envolvidos na dinâmica da produção do espaço, e que é, ao mesmo tempo, uma chave privilegiada para observarmos e decifrarmos a sua complexidade enquanto produto social” (SOUZA, 2003, p. 63).
Mas, o que seria essa organização interna da cidade? Veja, qualquer cidade possui diferentes tipos de espaços, de lugares, onde as pessoas vivem, trabalham, realizam seus negócios, fazem suas compras, residem, divertem-se. Assim, existem áreas no interior da cidade onde predomina claramente um determinado tipo de atividade. No interior da cidade vamos encontrar áreas designidas para determinadas atividades, o que chamamos de zoneamento urbano, ou seja, a cidade é organizada pensando nas necessidades de uso dos seus habitantes.
A indústria, por exemplo, toda cidade possui uma área destinada a instalação de fábricas e outras atividades complementares, que estão intimamente vinculadas às atividades industriais. Comumente, designamos esses espaços de distritos industriais.
Um exemplo interessante é a indústria de montagem, como a automobilística, na zona do ABC, em São Paulo. Essa indústria atrai para suas proximidades numerosas outras indústrias de peças e componentes, como também, outros serviços que complementem a atividade industrial.
Em outros espaços da cidade, encontramos o comércio e os serviços. Esses espaços são denominados pelos estudiosos sobre a questão urbana de localidades centrais intraurbanas. Essa denominação refere-se a determinados lugares da cidade que possuem, no seu conjunto, uma localidade dotada de maior ou menor centralidade em comparação com outras localidades da cidade. Nossa existência no tempo nos é determinada, mas temos ampla liberdade de escolha de nossa localização. Esta é influenciada, embora não de todo, pelo nosso lugar de origem. Encontrar a localização correta é essencial para uma vida de sucesso, também para um empreendimento de sucesso e para um assentamento duradouro - em suma, para a sobrevivência do grupo. Adicionalmente, uma localização adequada tem que ser a localização dos acontecimentos certos. No espaço intraurbano vamos encontrar, às vezes, muitas áreas que apresentam uma forte mistura de usos do solo urbano, ou seja, uma localidade que é utilizada pela população como espaço de moradia, trabalho, serviços e lazer (SOUZA, 2003).
Toda cidade possui um centro. Observamos, no decorrer da história, que os centros das cidades têm recebido diversas adjetivações: centro tradicional, centro de negócios, centro histórico, centro de mercado, centro principal ou simplesmente centro. O centro corresponde, quase sempre, à área onde a cidade foi fundada e que abriga prédios, casarões, igrejas, praças, monumentos antigos, ou seja, uma área onde se concentram conjuntos arquitetônicos de grande valor histórico. Em um primeiro momento, foi nessa área, a que denominamos centro, onde se desenvolvia a vida da cidade, onde a população residia e estabelecia relações de vizinhança, participava da vida política da cidade, onde os negócios eram realizados, ou seja, onde a vida acontecia.
A noção de centro urbano, como localização ótima para onde convergem os trajetos, as atividades econômicas, o emprego, o abastecimento ou as ações particulares, definindo-o, historicamente, como o lugar das trocas comerciais, conduz ao conceito de centro de mercado.
Quando agregamos ao centro de mercado outras atividades urbanas, como a religiosa, a de lazer, a política, a cultural, as atividades financeiras e as de comando, podemos conceituá-lo de Centro de Negócios (Central Business District – CBD) (VARGAS & CASTILHO, 2006). Esta visão funcional do centro, atrelada à espacialização hierárquica das atividades urbanas, dá origem aos conceitos de centros principais, subcentros, centros regionais, centros locais, definidos pelos tipos de atividades oferecidas e pelos seus raios de influência (VARGAS, 1985).
No entanto, quando a expansão das áreas urbanas intensifica-se de modo espontâneo ou planejado, esta noção de Centro começa a enfraquecer-se resultado do surgimento de novos subcentros de comércio e serviços, que passam a concorrer com o Centro Principal. Podemos dizer, que na cidade capitalista, este processo foi, sem dúvida nenhuma, um dos fatores que mais contribuíram para a aceleração do processo de decadência e desvalorização dos centros urbanos.
É preciso ter claro, contudo, que esse quadro varia muito de acordo com o porte da cidade. Uma cidade pequena, às vezes até uma cidade média, pode não conhecer a expansão do seu centro, ficando as suas atividades limitadas ao centro antigo (SOUZA, 2003). Vários são os fatores que influenciam no desenvolvimento ou não do seu centro como:
– o tamanho da cidade,
– sua inserção na rede urbana regional,
– o tamanho da sua população,
– a renda da população e a distribuição dessa renda,
– suas atividades econômicas e serviços que oferece.

Por outro lado, as metrópoles brasileiras viram seus centros se expandirem ao máximo possível, incorporando os bairros centrais e as áreas contíguas ao mesmo. Um exemplo clássico de centro expandido é o da Avenida Paulista, em São Paulo. No passado, essa avenida foi eminentemente residencial e abrigou por muitas décadas a elite cafeeira e industrial paulistana. Porém, paulatinamente, a avenida Paulista foi perdendo seu caráter residencial, transformando-se, abrigando atividades de natureza comercial e os serviços, que no passado eram encontrados apenas no centro tradicional. Ao mesmo tempo, as famílias tradicionais que aí residiam, transferem-se para bairros mais residenciais, mais arborizados, mais tranquilos. Hoje, a Paulista é um centro comercial e de serviços para o paulistano.

Assim, estudando a cidade brasileira, verificamos fenômenos que se constituem a cada dia comuns às cidades capitalistas. Um desses fenômenos é a perda cada vez maior de prestígio do centro tradicional de suas cidades. Simultaneamente a esse processo, parte da população de rendas mais altas que residiam no centro deslocam-se para bairros residenciais de maior status social. O centro passa a abrigar, assim, uma população de rendas mais baixas, quase sempre oriundas do interior do Estado, que em busca da melhoria da qualidade de vida migra para a cidade.

O comércio de alto padrão e os serviços mais refinados que aí se encontravam, tendem a deixar o centro em busca de outras áreas, procuram se aproximar dos bairros que abrigam os consumidores de alto poder aquisitivo. Esse comércio tende a se instalar nos corredores de circulação, nas grandes avenidas e vias que ligam os bairros ao centro tradicional.

Na medida em que a cidade cresce, que seu tecido urbano se expande, as distâncias em relação ao centro tradicional tendem a aumentar. Assim, para evitar que os moradores dos diferentes bairros precisem se deslocar para o centro tradicional sempre que necessitem adquirir um bem mais sofisticado que pão, leite, ou jornais, surgem os subcentros (SOUZA, 2003). Dessa realidade, surge o que denominamos de subcentros. Nos núcleos metropolitanos e nas cidades de porte médio os subcentros não apenas florescem, mas, gradualmente, vão adquirindo grande importância no universo da cidade, roubando do centro tradicional as atividades econômicas e os serviços terciários.
No entanto, os centros tradicionais de nossas cidades, apesar de sua notória decadência, continuam sendo os focos irradiadores da organização espacial urbana (VILLAÇA, 1998). Para esse autor, o centro tradicional ainda continua sendo a área mais importante da cidade, possui um poder simbólico inquestionável, pois possui a maior concentração de lojas, escritórios e serviços, como também, de empregos. Vale salientar, que quanto menor a cidade, maior a parcela de seus empregos terciários localizados no centro.