Para abordar
a questão do “desenvolvimento sustentável”, é preciso discutir separadamente os
conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade.
De acordo com Almino (1993) o conceito de
desenvolvimento prevalente no mundo atual é uma utopia desenvolvimentista
baseada no padrão de produção e consumo dos países desenvolvidos, portanto,
ecologicamente insustentável. Os modelos de desenvolvimento que têm prevalecido
nos países em desenvolvimento são impostos pelos países do Primeiro Mundo e
implicam a criação de vínculos comerciais e de investimentos, os quais acentuam
a exploração de recursos naturais necessários à industrialização. Para o autor,
é necessário ocorrer a revisão das formas de desenvolvimento e dos padrões de
produção e consumo para que eles sejam sustentáveis para toda a humanidade;
entretanto, considerando-se que a pobreza também se encontra na raiz dos
problemas ambientais, a solução terá que contemplar o crescimento econômico bem
concebido e socialmente distributivo. Sua abordagem deixa claro que se os
países em desenvolvimento seguirem os modelos e padrões estabelecidos pelos
países ricos, as consequências serão nefastas para o meio ambiente e, por
conseguinte, para a humanidade.
Ignacy Sachs, o economista que em 1972 formulou o
conceito de ecodesenvolvimento, que mais tarde daria origem à expressão “desenvolvimento
sustentável”, defende que não se pode parar o crescimento enquanto houver
pobres e desigualdades sociais gritantes, mas que é necessário outro tipo de crescimento
para outro desenvolvimento (SACHS, 2004).
Esse pensamento é corroborado por Furtado (2004:
484), citado por Veiga (2008), que assim resume a diferenciação entre
crescimento econômico e desenvolvimento:
[...] o crescimento
econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos
privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o
desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de
recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um
melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a
efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se
metamorfoseia em desenvolvimento.
Discutindo o significado de desenvolvimento, Veiga
(2008) reconhece o papel importante do crescimento econômico para o
desenvolvimento, mas afirma que no crescimento a mudança é quantitativa,
enquanto no desenvolvimento ela é qualitativa, e que pode haver desenvolvimento
sem que necessariamente haja crescimento econômico, e vice-versa. A questão do
desenvolvimento, portanto, quando entendida também nos seus aspectos de justiça
social e defesa ambiental, nos leva ao problema da sustentabilidade.
Sustentabilidade é uma palavra amplamente utilizada
nos dias de hoje, de aceitação quase total, mas usada com sentidos muito
distintos, adaptando-se a interesses tão diversos, que se tornou um jargão.
Veiga (2008) cita o físico Murray Gell-Mann, prêmio Nobel de Física de 1969,
que ao discutir o significado do adjetivo sustentável, conclui que há uma ‘desejabilidade’
junto com a sustentabilidade. De maneira geral, as pessoas sabem o que é
e o que não é desejável. A ausência de vida na Terra pode ser sustentável; o ar
envenenado por cianeto, arsênio e outras substâncias tóxicas pode ser
sustentável no planeta durante milhões de anos; o solo contaminado por agrotóxicos
e metais pesados pode ser sustentável até que haja desaparecido a vida na
Terra. Mas ninguém deseja ar envenenado, solo contaminado, vida
destruída, água inutilizável e tantos outros produtos do crescimento econômico
a qualquer custo. A sustentabilidade ambiental é baseada no imperativo ético de
solidariedade com a geração atual e com as gerações futuras.
Para Hobsbawn (1995), apud Veiga (2008), ninguém sabe
como se chegar a um equilíbrio entre a humanidade, os recurvos (renováveis) que
ela consome e o efeito de suas atividades sobre o meio ambiente. O certo é que
tal equilíbrio seria incompatível com uma economia baseada no lucro e na
competição num mercado livre global.
Levando-se em consideração que a desejabilidade
referida acima é uma condição histórica e cultural, o conceito de “sociedades
sustentáveis” parece ser mais adequado que o de desenvolvimento sustentável,
conforme defendido por Diegues (1992), porque possibilitaria a cada sociedade
definir seus padrões de produção e consumo e seu bem estar, com opções
tecnológicas e econômicas diferenciadas, a partir de sua cultura, de seu
desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural.
O crescimento dos países em desenvolvimento tem
levado a um grande aumento do consumo de energia, emissões de gases na
atmosfera e produção de lixo industrial, favorecendo a perda de biodiversidade
e exaurindo determinados recursos. É conhecimento comum a degradação ambiental
que se processa atualmente nas regiões industrializadas da China, Índia, México
etc. Em nosso país, a degradação ambiental atinge não apenas as regiões
industrializadas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, mas
as extensas áreas de cerrado e floresta amazônica. O alto preço das commodities, sustentado atualmente pelo
acelerado crescimento econômico do grupo de países denominado BRICS (Brasil,
Rússia, China e África do Sul), repercute na expansão da “mega-mineração” a céu
aberto e da agropecuária na América Latina. Além do desflorestamento, com perda
da flora e da fauna endêmicas, acresce-se a demanda por água, o deslocamento
populacional, a contaminação por agrotóxicos na monocultura intensiva e o
surgimento de novas fontes de poluição. (SCOTTO, 2011)
Não se pode desvincular a sustentabilidade de uma
comunidade de seu espaço socioambiental, isto é, do espaço onde ela se abastece
de recursos e onde despeja suas emissões. Portanto, ao se considerar um
empreendimento, sua sustentabilidade ecológica não se limita ao espaço de
produção, porque se trata de um sistema aberto, com entrada e saída de recursos
e emissões (MONTBELLER, 2008).
Entretanto, o modelo de desenvolvimento sustentável
que se consagrou é o de adequação ambiental e social, e não de contestação ao
modelo clássico de desenvolvimento, baseado no lucro e na competição. A
administração dessa estratégia induziu a criação de sistemas institucionais e
mecanismos legais de defesa ambiental, num cenário de modernização ecológica.
(ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010)
O interessante
estudo de Enriquez (2008), realizado na perspectiva de desenvolvimento
sustentável baseado na modernização ecológica, compara a trajetória de 15
municípios mineradores do Brasil, a partir de uma série de indicadores
ambientais, econômicos, sociais e de governança, com a dos seus entornos não mineradores.
A autora apresenta uma série de conclusões relevantes, quais sejam:
- por ser a mineração uma atividade, cada vez mais,
intensiva em capital e poupadora de mão de obra, ela não tem papel efetivo para
melhorar a equidade na distribuição da renda gerada;
- se ela contribui para a melhoria da qualidade da
educação, por outro lado essa melhoria não se traduz em geração de emprego;
- a mineração
favorece uma "institucionalização ambiental" nos municípios onde
ocorre, quando comparada ao seu entorno não minerador, mas isso provavelmente
se explique pelos passivos ambientais da atividade ao longo dos anos em que a
mineradora funcionou sem a existência ou aplicação de mecanismos regulatórios
ambientais;
- nos municípios mineradores, os avanços na dimensão
socioeconômica são fracos porque não existem regras adequadas do que deveria
ser uma mineração socialmente sustentável.
Segundo Alonso e Costa (2002), a questão ambiental é
um tema global, sempre presente nos fóruns internacionais, com extensas agendas
de discussões e ampla disseminação na mídia. A organização da pauta
ambientalista ocorreu no Brasil a partir do processo de redemocratização, que
criou um espaço público para demandas ambientais. A partir da Constituição
Federal de 1988, produziu-se o arcabouço jurídico-institucional que regulamenta
as questões ambientais, tais como a legislação específica, as agências de
controle, os institutos de mediação, os fóruns participativos de tomadas de
decisão e os mecanismos de garantia ao meio ambiente saudável, como a Ação
Popular e a Ação Civil Pública.
REFERÊNCIAS
ALMINO, João. Naturezas Mortas: A filosofia política
do ecologismo. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, 155 p.
ALONSO, Angela;
COSTA, Valeriano. 2002. Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil.
Disponível em: <www.centrodametropole.org.br/pdf/Angela.pdf>.
Acesso em: 25/8/2011.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant'ana . Desenvolvimento
sustentável ou sociedades sustentáveis: da crítica dos modelos aos novos
paradigmas. Cadernos FUNDAP, v. 6,
p. 22-30, 1992.
ENRIQUEZ, Maria
Amélia. Mineração: Maldição ou
Dádiva? São Paulo: Signus Editora, 2008, 424 p.: il.
MONTIBELLER, F.
G. Espaço socioambiental e troca desigual. Interthesis.
Florianópolis, 2008 Disponível em: >http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewFile/635/510<.
Acesso em: 18/2/2012.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável,
sustentado. Rio de Janeiro : Garamond, 2004.
VEIGA,
José Eli da. Desenvolvimento sustentável:
o desafio do século XXI. 3ª ed., Rio de Janeiro: Garamond, 2008, 220p.
ZHOURI, Andréa;
LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais: Um novo campo de
investigação. In: ZHOURI, Andréa e LASCHEFSKI, Klemens (org.). Desenvolvimento e conflitos ambientais.
Belo Horizonte : Editora UFMG, 2010.
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