terça-feira, 4 de setembro de 2018

A COMPLEXIDADE DO ESPAÇO URBANO


Regina Celly Nogueira da Silva e Celênia de Souto Macêdo. A produção do espaço urbano. Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Universidade Estadual da Paraíba.

Já sabemos que a cidade capitalista é uma entidade socioespacial muito complexa. No entanto, nós precisamos compreender como a cidade está estruturada internamente, ou seja, para entender a cidade é preciso conhece-la por dentro, saber como ela se estrutura.
Desse modo, para entendermos detalhadamente a cidade, é necessário “nos debruçarmos sobre aquilo que se chama de a organização interna da cidade, a qual é a chave para chegarmos aos processos sociais que animam o núcleo urbano e que estão envolvidos na dinâmica da produção do espaço, e que é, ao mesmo tempo, uma chave privilegiada para observarmos e decifrarmos a sua complexidade enquanto produto social” (SOUZA, 2003, p. 63).
Mas, o que seria essa organização interna da cidade? Veja, qualquer cidade possui diferentes tipos de espaços, de lugares, onde as pessoas vivem, trabalham, realizam seus negócios, fazem suas compras, residem, divertem-se. Assim, existem áreas no interior da cidade onde predomina claramente um determinado tipo de atividade. No interior da cidade vamos encontrar áreas designidas para determinadas atividades, o que chamamos de zoneamento urbano, ou seja, a cidade é organizada pensando nas necessidades de uso dos seus habitantes.
A indústria, por exemplo, toda cidade possui uma área destinada a instalação de fábricas e outras atividades complementares, que estão intimamente vinculadas às atividades industriais. Comumente, designamos esses espaços de distritos industriais.
Um exemplo interessante é a indústria de montagem, como a automobilística, na zona do ABC, em São Paulo. Essa indústria atrai para suas proximidades numerosas outras indústrias de peças e componentes, como também, outros serviços que complementem a atividade industrial.
Em outros espaços da cidade, encontramos o comércio e os serviços. Esses espaços são denominados pelos estudiosos sobre a questão urbana de localidades centrais intraurbanas. Essa denominação refere-se a determinados lugares da cidade que possuem, no seu conjunto, uma localidade dotada de maior ou menor centralidade em comparação com outras localidades da cidade. Nossa existência no tempo nos é determinada, mas temos ampla liberdade de escolha de nossa localização. Esta é influenciada, embora não de todo, pelo nosso lugar de origem. Encontrar a localização correta é essencial para uma vida de sucesso, também para um empreendimento de sucesso e para um assentamento duradouro - em suma, para a sobrevivência do grupo. Adicionalmente, uma localização adequada tem que ser a localização dos acontecimentos certos. No espaço intraurbano vamos encontrar, às vezes, muitas áreas que apresentam uma forte mistura de usos do solo urbano, ou seja, uma localidade que é utilizada pela população como espaço de moradia, trabalho, serviços e lazer (SOUZA, 2003).
Toda cidade possui um centro. Observamos, no decorrer da história, que os centros das cidades têm recebido diversas adjetivações: centro tradicional, centro de negócios, centro histórico, centro de mercado, centro principal ou simplesmente centro. O centro corresponde, quase sempre, à área onde a cidade foi fundada e que abriga prédios, casarões, igrejas, praças, monumentos antigos, ou seja, uma área onde se concentram conjuntos arquitetônicos de grande valor histórico. Em um primeiro momento, foi nessa área, a que denominamos centro, onde se desenvolvia a vida da cidade, onde a população residia e estabelecia relações de vizinhança, participava da vida política da cidade, onde os negócios eram realizados, ou seja, onde a vida acontecia.
A noção de centro urbano, como localização ótima para onde convergem os trajetos, as atividades econômicas, o emprego, o abastecimento ou as ações particulares, definindo-o, historicamente, como o lugar das trocas comerciais, conduz ao conceito de centro de mercado.
Quando agregamos ao centro de mercado outras atividades urbanas, como a religiosa, a de lazer, a política, a cultural, as atividades financeiras e as de comando, podemos conceituá-lo de Centro de Negócios (Central Business District – CBD) (VARGAS & CASTILHO, 2006). Esta visão funcional do centro, atrelada à espacialização hierárquica das atividades urbanas, dá origem aos conceitos de centros principais, subcentros, centros regionais, centros locais, definidos pelos tipos de atividades oferecidas e pelos seus raios de influência (VARGAS, 1985).
No entanto, quando a expansão das áreas urbanas intensifica-se de modo espontâneo ou planejado, esta noção de Centro começa a enfraquecer-se resultado do surgimento de novos subcentros de comércio e serviços, que passam a concorrer com o Centro Principal. Podemos dizer, que na cidade capitalista, este processo foi, sem dúvida nenhuma, um dos fatores que mais contribuíram para a aceleração do processo de decadência e desvalorização dos centros urbanos.
É preciso ter claro, contudo, que esse quadro varia muito de acordo com o porte da cidade. Uma cidade pequena, às vezes até uma cidade média, pode não conhecer a expansão do seu centro, ficando as suas atividades limitadas ao centro antigo (SOUZA, 2003). Vários são os fatores que influenciam no desenvolvimento ou não do seu centro como:
– o tamanho da cidade,
– sua inserção na rede urbana regional,
– o tamanho da sua população,
– a renda da população e a distribuição dessa renda,
– suas atividades econômicas e serviços que oferece.

Por outro lado, as metrópoles brasileiras viram seus centros se expandirem ao máximo possível, incorporando os bairros centrais e as áreas contíguas ao mesmo. Um exemplo clássico de centro expandido é o da Avenida Paulista, em São Paulo. No passado, essa avenida foi eminentemente residencial e abrigou por muitas décadas a elite cafeeira e industrial paulistana. Porém, paulatinamente, a avenida Paulista foi perdendo seu caráter residencial, transformando-se, abrigando atividades de natureza comercial e os serviços, que no passado eram encontrados apenas no centro tradicional. Ao mesmo tempo, as famílias tradicionais que aí residiam, transferem-se para bairros mais residenciais, mais arborizados, mais tranquilos. Hoje, a Paulista é um centro comercial e de serviços para o paulistano.

Assim, estudando a cidade brasileira, verificamos fenômenos que se constituem a cada dia comuns às cidades capitalistas. Um desses fenômenos é a perda cada vez maior de prestígio do centro tradicional de suas cidades. Simultaneamente a esse processo, parte da população de rendas mais altas que residiam no centro deslocam-se para bairros residenciais de maior status social. O centro passa a abrigar, assim, uma população de rendas mais baixas, quase sempre oriundas do interior do Estado, que em busca da melhoria da qualidade de vida migra para a cidade.

O comércio de alto padrão e os serviços mais refinados que aí se encontravam, tendem a deixar o centro em busca de outras áreas, procuram se aproximar dos bairros que abrigam os consumidores de alto poder aquisitivo. Esse comércio tende a se instalar nos corredores de circulação, nas grandes avenidas e vias que ligam os bairros ao centro tradicional.

Na medida em que a cidade cresce, que seu tecido urbano se expande, as distâncias em relação ao centro tradicional tendem a aumentar. Assim, para evitar que os moradores dos diferentes bairros precisem se deslocar para o centro tradicional sempre que necessitem adquirir um bem mais sofisticado que pão, leite, ou jornais, surgem os subcentros (SOUZA, 2003). Dessa realidade, surge o que denominamos de subcentros. Nos núcleos metropolitanos e nas cidades de porte médio os subcentros não apenas florescem, mas, gradualmente, vão adquirindo grande importância no universo da cidade, roubando do centro tradicional as atividades econômicas e os serviços terciários.
No entanto, os centros tradicionais de nossas cidades, apesar de sua notória decadência, continuam sendo os focos irradiadores da organização espacial urbana (VILLAÇA, 1998). Para esse autor, o centro tradicional ainda continua sendo a área mais importante da cidade, possui um poder simbólico inquestionável, pois possui a maior concentração de lojas, escritórios e serviços, como também, de empregos. Vale salientar, que quanto menor a cidade, maior a parcela de seus empregos terciários localizados no centro.

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