Educação Ambiental na prática da gestão urbana
Texto extraído e modificado de: FERREIRA, Antonio Elias Firmino. A importância da educação ambiental para a prática da gestão urbana. Obtido em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.109/49
Em especial, nos tempos atuais, em que o
crescimento urbano chega a forçar o aumento dos impactos ambientais e a
população adota uma postura apática com relação aos cuidados com o ambiente
citadino, se faz necessário o uso de um instrumento considerado primordial para
a mudança comportamental que o tempo exige: a educação ambiental, uma
reivindicação legítima e um processo contínuo de aprendizagem de conhecimentos
para o exercício da cidadania.
Os
problemas são bem conhecidos: falta de saneamento básico, poluição sonora, do
ar, da água e visual, crescimento urbano desordenado (acarretando a ocupação de
áreas de risco e/ou de proteção ambiental e o abandono de áreas construídas),
superpopulação, chuva ácida, efeito estufa etc. “A biodiversidade (...), o lixo
urbano, o lixo hospitalar, o lixo químico e o caso insolúvel do lixo radioativo
são grandes preocupações dos novos ambientalistas.”
O
respeito à diversidade da natureza e a responsabilidade de conservar essa
diversidade definem o desenvolvimento sustentável como um ideal ético. A partir
da ética do respeito à diversidade do fluxo da natureza, emana o respeito à
diversidade de culturas e de sustentação da vida, base não apenas da sustentabilidade,
mas também da igualdade e justiça.
Entende-se
que a educação ambiental é um ponto primordial para uma efetiva
participação populacional nos processos de planejamento e gestão urbana. Mas é
necessário buscar primeiramente uma definição para o termo.
Num
primeiro momento, Educação Ambiental dizia respeito à formação dos cidadãos em
torno do ambiente biofísico e os seus respectivos problemas, embora mantendo um
ponto de vista antropocêntrico e desconsiderando as relações entre o homem e o meio
ambiente:
"oferecer condições favoráveis a
um ambiente, para que possa desenvolver os seus recursos e as suas habilidades,
a fim de poderem se confrontar às questões promovidas pelo próprio homem, no
tocante ao desrespeito com o Meio Ambiente."
Com
o ECO-92, Santos e Xavier dizem que a visão de Educação Ambiental ganhou uma
nova dimensão – mais do que a socialização e a reivindicação de direitos, mas a
de um ato político, onde a natureza deixou de ser fornecedora de recursos
naturais para adquirir um caráter ideológico, que deve ser vista sob uma nova
ótica, conforme nos diz Cassino:
"A EA deve envolver uma
perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o
universo de forma interdisciplinar. (...) A EA deve tratar das questões globais
críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu
contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados com o
desenvolvimento e o meio ambiente, tais como população, saúde, direitos
humanos, democracia, fome degradação da fauna e da flora, devem ser abordados
dessa maneira."
Para
se entender mais a real importância da educação ambiental no Brasil, é
necessário também entender um pouco sobre os processos de expansão urbana.
Flávio
Villaça explica que o processo de crescimento urbano em países subdesenvolvidos
ou “em desenvolvimento” se dá por duas frentes: 1) a frente abastada (chamemos
assim), que usa de seu poder e influência para determinar onde irá morar e
trabalhar (os fatores determinantes para suas decisões variam de região para
região); e 2) a frente carente (ponhamos desta maneira), que
se estabelece em locais próximos à oportunidade de trabalho e cujos custos de
moradia sejam compatíveis com seu rendimento. Ambas as ‘frentes’ entram frequentemente
em conflito e os resultados físicos deste antagonismo de classes são a ocupação
indiscriminada de espaços que deveriam ser preservados, ou de locais de risco
pela frente carente; e o abandono de áreas construídas pela frente abastada,
deixando-as em desuso.
Este
tipo de configuração do espaço, embora orgânico, é “tóxico” para todos os
envolvidos, por ameaçar o meio ambiente – tanto o natural, quanto o citadino –
com as ações (conscientes ou não) de seus habitantes.
A
educação ambiental é defendida por Ruano como atividade primeira e primordial
no processo de uma gestão participativa. É através da informação que a
população terá base para também participar ativamente, pois terá consciência de
que também é parte da cidade e deve zelar por ela, ao invés de adotar uma
atitude apática e simplesmente esperar que tudo mude.
O
processo para se chegar à sustentabilidade enfrenta uma série de práticas
sociais, que Jacobi chama de “paradigma da ‘sociedade de risco’”. Para que haja
mudanças comportamentais, é necessário que se multipliquem as práticas sociais
de acesso à informação e à educação ambiental, em especial; além de aumentar o
poder e o alcance das iniciativas que buscam a transparência na administração
dos problemas ambientais urbanos e sua divulgação para a sociedade.
As
formas de mídia (impressa, audiovisual e/ou cibernética) devem servir como
ponte para a troca de informações entre todos os atores. Os atores da sociedade
civil devem desencadear o debate, denunciar os perigos, cobrar estudos
aprofundados dos especialistas e dos atores econômicos e cobrar soluções dos
políticos. Os políticos, especialistas e atores econômicos, por sua vez, têm o
dever de utilizar as mídias para informar uns aos outros, comunicar-se, enviar
alertas e/ou prestar contas de suas ações para o público.
Trata-se
de promover o crescimento da consciência ambiental, expandindo a possibilidade
de a população participar em um nível mais alto no processo decisório, como uma
forma de fortalecer sua corresponsabilidade na fiscalização e no controle dos
agentes de degradação ambiental.
Entretanto,
Alves pontua que a classe dominante (a que chamamos frente abastada,
anteriormente) pode se utilizar da superestrutura para manter sua força sobre o
sistema de forças de trabalho, submetendo a frente carente a
uma “idiotização (...) com a cara de ‘educação’, com o rótulo de ‘cidadania’,
com o cheiro de ‘futuro’...” como base para a modernização da sociedade,
forçando um novo jogo de submissão.
A
sociedade, neste momento, deve estar mobilizada para adquirir um caráter mais
inquisitório e propositivo, uma vez que é sua função questionar os governos, e
tal cobrança deve ser feita com bases concretas de argumentação no tratante às
políticas relativas ao binômio sustentabilidade e desenvolvimento
socioeconômico.
"Para
tanto é importante o fortalecimento das organizações sociais e comunitárias, a
redistribuição de recursos mediante parcerias para participar crescentemente
dos espaços públicos de decisão e para a construção de instituições pautadas
por uma lógica de sustentabilidade. Nessa direção, a educação para a cidadania
representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para
transformar as formas de participação, inclusive pelos setores menos
mobilizados.
Cidadania deve ser entendida como a certeza do
cumprimento de seus deveres e da validade dos direitos de todos os habitantes
de determinado local – conforme aponta Nuno Andrade Santos, como forma de
satisfazer as necessidades básicas de natureza cultural, econômica e social de
acordo com a própria avaliação qualitativa das condições de exercício da ‘vida
urbana’.
Nos
tempos atuais, a informação é preciosa para que a cidadania, através de uma
educação ambiental consistente, se faça e possa contribuir para a melhoria
ecológica das cidades. Através das notícias veiculadas em jornais e revistas,
da internet, rádio e televisão, as pessoas ganham ânimo e a base para defender
a qualidade de vida e modificar o crescente quadro de degradação.
Casos
como o da cidade de Curitiba são importantes para ilustrar esta prática – indo
até na contra-mão da experiência de outras prefeituras, cuja atitude com
relação aos problemas socioambientais era de relativa distância e pouca
participação, deixando o trabalho a cargo de ONGs. O Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba–IPPUC mostra as medidas políticas do município
com relação à educação ambiental – “as medidas de conservação da natureza e a
participação social fomentaram a formação do planejamento ecológico (...),
garantindo a qualidade de vida.”
Um
programa praticado pela prefeitura é a campanha “lixo que não é lixo – lixo que
é riqueza”, em que a população pode trocar lixo reciclável por tickets dados
pela Prefeitura; e que podem valer bônus como passagens de ônibus, alimentos,
brinquedos, livros, roupas, ingressos para eventos culturais etc. “Tal campanha
foi uma forma encontrada pelo município de englobar os habitantes mais carentes
– principalmente os habitantes de favelas – no espírito eco-empreendedor que
tomou conta da cidade a partir da década de 1950.” (49)
Não
apenas a população carente foi afetada pela campanha. Também os síndicos e
zeladores de prédios residenciais são estimulados a fazer a coleta seletiva em
seus condomínios.
Com
o apoio e adesão populacional, a campanha se estendeu às escolas, dando-se
prêmios às turmas que recolhem a maior quantidade de material reciclável, além
de as noções de ecologia, cidadania e ética serem ensinadas aos estudantes
desde a pré-escola.
Os efeitos
do programa são sentidos tanto no ambiente urbano de Curitiba – ruas limpas e
bem cuidadas, além da redução no nível de detritos despejados nos rios – como
na realidade ambiental – com a preservação de árvores que seriam desmatadas
para a fabricação de papel, por exemplo – e na autoestima populacional – com
acesso a bens básicos e a eventos culturais..
Obviamente,
o exemplo aqui mostrado não é perfeito. Curitiba, mesmo sendo um exemplo
mundial de urbanismo, é apontada por Marcelo Souza como uma cidade longe de ter
uma gestão participativa.
Ainda
assim, consegue mostrar que, mesmo seguindo métodos diferentes e indiretos, a
população, ao perceber que simples mudanças de olhar e de atitude podem
transformar o ambiente ao seu redor – sendo educados ambientalmente –, adquire
a consciência de sua cidadania e passa a exercê-la, exibindo em seu semblante o
orgulho do seu lugar.
O
maior problema enfrentado pelo movimento ambientalista, hoje em dia, é a apatia
populacional – que Gilberto Dimenstein chama de analfabetismo urbano.
Deste modo, a sociedade acaba por “deixar passar” muitos dos despautérios
cometidos por políticos incompetentes, empresas inescrupulosas etc., mesmo com
indignação.
Para
sair do estado letárgico e exercer apropriadamente a cidadania, é necessário
possuir a informação correta, e neste ponto se faz necessária a Educação
Ambiental.
"A dimensão ambiental configura-se
crescentemente como uma questão que envolve um conjunto de atores do universo
educativo, potencializando o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento,
a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva
interdisciplinar."
Consciente
dos impactos de seus atos, a população pode reeducar suas ações e passar a
pressionar e fiscalizar o poder público, cobrando de seus representantes as
melhorias de que a cidade necessita, ajudando a preservar as áreas ambientais e
também ganha a força necessária para se fazer presente e ouvida nas discussões
de planejamento e gestão urbana. Como complementa Santos, “a Democracia fomenta
a participação social.”
Marcelo
Souza alerta para as dificuldades de se estabelecer a participação popular no
planejamento e na gestão das cidades, em especial das cidades cuja situação de
fragmentação seja palco para a geração de novos problemas, como o tráfico de
drogas nas favelas e os impasses resultantes da dominação da população favelada
pelos chefes das “bocas”. Mas o próprio Souza incentiva a iniciativa,
encarando-a como o grande desafio que realmente é: “um ‘efeito de demonstração’
de intervenções bem-sucedidas (...) pode pressionar no sentido de um clima
crescentemente desfavorável para os traficantes naqueles locais onde a
participação e as suas consequências positivas se virem bloqueadas.”
Finalizando,
o relatório do UNFPA [1]faz
um último apelo:
"As decisões tomadas hoje nas
cidades do mundo em desenvolvimento darão forma não somente a seus destinos,
mas ao futuro social e ambiental da humanidade. O milênio urbano que se
aproxima poderia tornar a pobreza, a desigualdade e a degradação ambiental mais
manejáveis, ou poderia piorá-los exponencialmente. Sob essa luz, os esforços
para se abordar os desafios e oportunidades apresentados pela transição urbana
devem ser permeados por um sentido de grande urgência."
sobre o autorArquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Alagoas-UFAL, membro do Escritório-Modelo de Causas Sociais em Arquitetura e Urbanismo.
ATIVIDADE
Nota: As respostas são apenas orientativas para fins de avaliação.
1. Por
que desenvolvimento
sustentável pode ser considerado como um ideal ético?
“A ética é centrada
na sociedade e no comportamento humano e esse conceito constitui a base de uma
sociedade próspera. Sendo assim, o desenvolvimento sustentável é considerado um
ideal ético, pois a prática do mesmo é capaz de suprir as necessidades da
geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das
futuras gerações.” (Resposta da Larissa de Souza)
2.
Distinga visão da educação ambiental do momento atual daquela que era
considerada antes da ECO-92.
A visão
da educação ambiental antes da ECO-92 era antropocêntrico e desconsiderava a
relação entre o homem e a natureza, sendo essa vista apenas como fornecedora de
recursos e o homem o consumidor. A partir da ECO-92, a relação homem-natureza
passou a ser determinante e vista de uma maneira holística, isto é, integral,
global e sistêmica, abordando suas causas e consequência em seu contexto
histórico e social. Questões como direitos humanos, saúde, fome e democracia
passaram a ser tratados no mesmo contexto da degradação da flora e da fauna.
3. Explique o conflito resultante do antagonismo
de classe no processo de crescimento urbano nos países subdesenvolvidos.
Os países
subdesenvolvidos são os que apresentam os maiores contrastes de riqueza e
pobreza e, por consequência, as maiores divergências de interesse entre ricos e
pobres. Daí, resultam conflitos em torno da questão ambiental, porque os pobres
são excluídos dos processos decisórios que afetam o meio ambiente. No processo urbanístico,
os investimentos públicos privilegiam as áreas ocupadas pelas classes mais
abastadas, enquanto a maioria pobre não tem alternativas que não sejam a
ocupação de áreas degradadas ou de risco e carentes de serviços públicos; as
classes mais abastadas podem escolher onde morar e as vezes se isolam em
bairros de luxo, deixando as áreas centrais em abandono.
4.
Conceitue cidadania e explique a sua importância na gestão urbana.
A
expressão cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade. A cidadania é
o conjunto de direitos e deveres exercidos por um indivíduo que vive em
sociedade. Sua importância na gestão urbana é que o cidadão no exercício de sua
cidadania tem o podem de intervir no processo do desenvolvimento urbano e no
usufruto de seus espaços. A lei brasileira que regula o processo urbanístico é o
Estatuto da Cidade, o qual estabelece que a gestão urbana deve ser participativa,
envolvendo a discussão e o estabelecimento de ações a partir dos cidadãos.
5. Considere
as opiniões do autor no texto para explicar a importância da educação ambiental
na gestão urbana.
Segundo
o autor, falta educação ambiental à população brasileira, de um modo geral.
Além disso, existe uma apatia
populacional, isto é, a população brasileira não se interessa em participar da
gestão urbana devido ao seu “analfabetismo urbano”. Para romper essa apatia e
fazer que a gestão urbana seja realmente participativa, como preconiza a lei, é
preciso educar a população. Daí a importância da educação ambiental.
[1] UNFPA – United Nations
Population Fund, ou Fundo de População das Nações Unidas, é a agência de
desenvolvimento internacional da ONU que trata de questões populacionais, sendo
responsável por contribuir com os países para garantir o acesso universal à saúde
sexual e reprodutiva, incluindo o exercício do direito à maternidade segura.
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