No período de 1800 a 1914, a população europeia passa de 180 milhões para 460 milhões de pessoas, sem acrescentar aí um contingente de outros 100 milhões, que emigraram para as Américas. Com o volume populacional triplicado, ocorre a concentração da população em aglomerações a serviço das indústrias - é o fenômeno da urbanização criando novas cidades e transformando por completo as já existentes. Tal fenômeno traz em consequência, uma realidade que merece ser estudada. Afinal os problemas urbanos são de tal monta que surgem propostas e justificativas para projetos e ações procurando resolvê-los.
Foi na Inglaterra, origem da grande
indústria, que a miséria dos guetos de trabalhadores sensibilizou e revoltou
algumas parcelas da sociedade, fazendo multiplicar, por volta de 1816, as
reações contra o que se denominava: "a cidade monstruosa".
O urbanismo é então a disciplina que
procura entender e solucionar os problemas urbanos. O termo urbanismo é
relativamente recente, e segundo G. Bardet este termo surgiu pela primeira vez
em 1910. No entanto, conforme BENEVOLO (1971) pode-se dizer que o urbanismo
moderno nasceu até mesmo antes de se utilizar este termo, isto é, entre 1830 e
1850.
A cidade industrial neste período é
caracterizada pelo congestionamento e pela insalubridade; sem um sistema de
abastecimento de água e esgotamento sanitário e sem coleta de lixo atendendo à
população de operários, surgem epidemias difíceis de serem controladas, além de
doenças que prejudicam a população como um todo.
Esta cidade é construída pela
iniciativa privada, buscando o máximo lucro e aproveitamento, sem nenhum
controle. Surge então a necessidade de uma ação pública, ordenando e propondo
soluções que até o momento eram implementadas apenas pelo setor privado, com
objetivos individuais, de curto prazo e em escala reduzida.
É desta época o urbanismo sanitarista,
com preocupação básica de melhorar as condições de salubridade nas cidades,
coordenando a iniciativa privada, com objetivos públicos e gerais. Em Londres
observa-se um grave problema de poluição no Tâmisa; a captação de água se faz
no mesmo rio aonde são despejados os esgotos, sendo este fato uma causa
permanente de epidemias. Para controlar e evitar os graves problemas de saúde
pública observados, em 1848 é aprovada a primeira lei sanitária, a Public
Health Act. Esta lei é a precursora dos Códigos Sanitários brasileiros.
Esta legislação é a base de todas as
demais que procuram atuar no espaço urbano garantindo condições de salubridade:
abastecimento de água e controle de sua potabilidade, canalização de esgotos,
drenagem de áreas inundáveis, abertura de vias e vielas sanitárias. Com
preocupações sanitárias foram reurbanizadas várias cidades industriais inglesas:
Londres, Manchester, Liverpool, Birmingham, Leeds.
As leis sanitárias evoluíram para uma
legislação especificamente de natureza urbanística, definindo as densidades,
critérios para a implantação de loteamentos, distância entre edificações, seus
gabaritos de altura, e até a característica de cada edificação, isto é,
espaços, aberturas e materiais a serem empregados. Os regulamentos urbanísticos
atualmente existentes, as leis de zoneamento, uso e ocupação do solo e os
códigos de edificações, tem como origem esta preocupação sanitarista de se
criar um ambiente salubre e adequado.
Nos Estados Unidos, observa-se no
início do século XIX um grande crescimento industrial, que impulsiona o
desenvolvimento urbano. Nesta época, New York que conta com 100 000 habitantes,
concentrados na ilha de Manhattan, cresce de forma desordenada. Para organizar
este crescimento urbano, uma Comissão estuda por 4 anos um projeto de
urbanização quem vem a ser proposto e implementado em 1811.
Este plano recorta a ilha de Manhattan
com uma malha uniforme de vias ortogonais: 12 "avenues" no sentido
longitudinal, com quase 20 quilômetros de comprimento, e 155
"streets" perpendiculares a elas, com 5 quilômetros. Um imenso
parque, o Central Park, é construído em 1858. Até hoje este é o grande exemplo
do urbanismo americano, cartesiano e racional, rígido em sua concepção viária,
mas que admite flexibilidade nas construções dos edifícios em seus quarteirões.
Na França as preocupações urbanas
foram de outra natureza. Ali se implantou o que se pode conhecer como o
urbanismo estético-viário. O grande mentor desta tendência é o barão Haussman
que foi prefeito do Sena, em Paris, no período de 1853 a 1870. Neste período
renovou o aspecto de Paris, com a abertura de grandes espaços urbanos e avenidas,
modificando os velhos quarteirões ainda medievais. Na prática, sobrepõe à
cidade existente, uma nova rede de avenidas, com edificações de caráter
monumental, sede dos poderes governamentais e civis mais importantes.
Na então periferia implanta as avenidas
de circunvalação e transforma os Bois de Bologne e de Vincennes em espaços
públicos urbanos. A ‘Étoile’ (estrela) de avenidas tendo ao centro o Arco do
Triunfo, junto com a avenida dos Champs Elysées é a maior expressão de
Haussman. Este urbanismo estético-viário, "nascido ao tempo das carruagens
e dos bondes puxados a burro, no final do século XIX, será, na primeira metade
do século XX, extremamente funcional para o surgimento e a implantação plena
das cidades contemporâneas, dos veículos automotores: o bonde elétrico, os
ônibus, os caminhões e os próprios automóveis”. (CAMPOS FILHO, 1989)
Haussman influenciou várias outras
cidades na França, nas colônias francesas e na Europa tais como Torino, Viena,
Bruxelas.
O
grande desenvolvimento das cidades e das formas de vida urbana é um dos
fenômenos que melhor caracteriza nossa civilização contemporânea. A cidade não
é um feito recente: é resultante de um processo histórico. Ao longo deste
século e do passado observa-se um aumento vertiginoso da migração da população
rural para as cidades. Tal fato tem modificado a distribuição da população
mundial.
Uma das
grandes marcas dos séculos XX e XXI é o formidável crescimento dos grandes
centros urbanos, que não se verificava anteriormente porque o avanço demográfico
geral era muito mais lento e porque esse excedente demográfico não era
absorvido desproporcionadamente pelas grandes cidades. Contudo, nas últimas
décadas, o ritmo de crescimento das cidades está sendo muito superior ao das
possibilidades de previsão das autoridades públicas, a sua capacidade de
assimilar os problemas e geralmente dos recursos disponíveis para proceder às
reformas de grande vulto que se fazem necessárias para criar novas estruturas
eficazes.
Uma
parte da população que chega às cidades é forçada a se distribuir nos locais
mais miseráveis e abandonados, invadindo propriedades alheias ou zonas com
condições urbanas inadequadas. Isto deu lugar aos chamados bidonvilles das cidades francesas ou argelinas, as chabolas (barracas de madeira) ou
chabolismo espanhol, as famosas favelas brasileiras, os ranchos venezuelanos,
etc. Não há cidade em processo de crescimento agressivo que não sofra destas
manifestações patológicas.
As
reflexões incidentes sobre a situação habitacional nos grandes centros urbanos
mostram que as soluções mais significativas encontradas pela população
pauperizada para resolver seu problema imediato de falta de um "teto"
podem ser caracterizadas de acordo com os diferentes tipos de moradia
atualmente existentes, tais como os cortiços, as casas precárias de periferia,
os barracos de favelas e os sem-tetos.
Localizadas
em sua maioria em ambientes degradados, clandestinos e sem infraestrutura,
essas moradias constituem assentamentos periurbanos que distinguem um processo
diferenciado de produção de cidades, com características próprias de
constituição, crescimento e mudança com o decorrer do tempo.
Esses
assentamentos periurbanos são para alguns o lugar de onde começam a subir
socialmente, enquanto para outros será o último degrau de uma dolorosa descida
na escala social.
Os
organismos oficiais, planificadores e urbanistas são lentos nas previsões e
ainda mais nas realizações. Enquanto delimitam as zonas convenientes e
planificam na sua base, preparando soluções para o crescimento, a realidade,
com os imperativos violentos, rompe pelos lugares mais imprevistos e
incongruentes; e quando as autoridades resolvem tê-los em conta, deparam com
uma realidade ingrata e volumosa, que modifica os dados de um problema que se
projetava abordar serenamente nos estiradores de desenhos. (...) A cidade
vai-se transformando com um crescimento que nem é ordenado por via técnica, nem
pausado e orgânico por via natural”. Por conseguinte, esse crescimento urbano
produz tanto problemas nos núcleos centrais, quanto nas periferias das cidades
que sofrem com a falta de acessos e de transporte coletivo. Toda ordenação
espacial é questionável se não existir uma adequada acessibilidade, meios de
transporte público eficazes e uma rede viária capaz e inteligentemente
planejada para atender toda a demanda necessária.
A
cidade moderna tem se deixado levar em demasia pelas prioridades definidas pelo
tráfego. Para alguns, o tráfego é primordial e a sua solução deve orientar
todas as outras soluções urbanas. Não faz sentido planificar com vista ao
tráfego sem planificar ainda mais profundamente com vista a outras necessidades
humanas.
Questiona-se
qual o urbanismo adequado para esta cidade moderna, principalmente nas cidades
dos países em desenvolvimento. O termo urbanismo é quase que empregado
exclusivamente nas situações aonde irá se desenhar ou projetar uma nova cidade,
a partir de um espaço desocupado e vazio. Esse fato não ocorre, especialmente
nos países em desenvolvimento, onde se procura uma ação urbana sobre o
existente, com recursos limitados e com todas as condicionantes de natureza
social e política. Nessa direção, a ação urbana cada vez mais distancia-se do
urbanismo clássico para aproximar-se de um entendimento da cidade enquanto um
empreendimento.
A
cidade enquanto empreendimento deverá satisfazer às necessidades individuais e
coletivas dos vários setores de sua população; para tanto deve-se articular
recursos humanos, financeiros, institucionais, políticos e naturais para sua
produção, funcionamento e manutenção. A este processo dirigido para operar a
cidade, dá-se o nome de gestão urbana.
A
gestão urbana é portanto uma ação política, componente do governo da cidade,
responsável pela elaboração de políticas públicas, pela sua concretização em
programas e pela execução dos projetos.
Texto obtido
e modificado de:
ABIKO,
Alex Kenya; ALMEIDA, Marco Antonio Plácido e BARREIROS, Mário Antônio Ferreira.
Urbanismo: história e desenvolvimento.
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de
Construção Civil, 1995.
ATIVIDADE AVALIATIVA
Nota: As respostas às questões são meramente
orientativas.
- Conceitue urbanismo sanitarista, seu
objetivo e sua influência.
É um tipo de intervenção urbanística, surgido
no século XIX, caracterizado pela preocupação básica de melhorar as condições
de salubridade nas cidades, eliminando as fontes de poluição, com o fim de controlar
e evitar os graves problemas de saúde pública. Sua influência se faz ainda hoje nas leis
sanitárias de natureza urbanística, que definem os critérios de uso e ocupação
do solo urbano, mas que também foram responsáveis por uma série de mudanças nos
hábitos e na maneira de morar dos cidadãos, provocando reformas que marcaram
para sempre a cultura da sociedade e a estrutura das cidades.
- Compare o urbanismo surgido na França e nos
EUA no séc. XIX.
O urbanismo francês, exemplificado em
Paris, tem preocupações acima de tudo estéticas, com abertura de uma rede
viária radial e concêntrica, cujo centro é o Arco do Triunfo. A partir desse
centro, foram abertos grandes espaços urbanos e avenidas, com edificações de
caráter monumental, sede dos poderes governamentais e civis mais importantes, modificando
os velhos quarteirões ainda medievais
O urbanismo americano, exemplificado
na ilha de Manhatan, é um traçado de linhas retas e ortogonais, formando uma
grade; portanto, em sua concepção é cartesiano, e racional, rígido em sua
concepção viária, mas que admite flexibilidade nas construções dos edifícios em
seus quarteirões.
- Na atualidade, como a população pobre e/ou
miserável se adequa no espaço urbano? Como isto se reflete no urbanismo?
A
população pobre e/ou miserável se adequa ao espaço urbano através de ocupações
em terrenos pouco valorizados na periferia das cidades, nos morros, à beira de
córregos e em áreas ambientalmente vulneráveis ou inadequadas para residências,
muitas vezes em ocupações ilegais, ou em edifícios abandonados.
O
planejamento urbano não consegue acompanhar os movimentos dessas massas populacionais em
demanda por locais de moradia, que ocupam os lugares mais imprevistos e incompatíveis
com o planejamento urbano;. São assim criadas
situações que ultrapassam a capacidade e viabilidade de um planejamento urbano
adequado. Isto se dá porque as administrações públicas são lentas e
ineficientes, e não se antecipam ao problemas gerados pela expansão urbana.
- Faça um texto de pelo menos 12 linhas
comentando a seguinte afirmação do autor: “Não faz sentido planificar com vista
ao tráfego sem planificar ainda mais profundamente com vista a outras
necessidades humanas.“
O
planejamento urbano nas cidades modernas tem se orientado por um tripé de
sustentação: uso e ocupação do solo, sistema viário e sistema de transporte.
Isto porque, na lógica da racionalidade, o tempo controla as pessoas, em sua
vida agitada, e a prioridade deve então ser o seu deslocamento nas cidades cada
vez mais congestionadas de veículos particulares. A solução logística do
deslocamento deve orientar todas as outras. Porém, essa planificação urbana com
vista ao tráfego sobrepõe uma série de outras necessidades humanas. A cidade
não deveria ser um local onde as pessoas se deslocam para o trabalho e as
compras, não deve ser o local privilegiado do fazer, mas do ser, o local do
encontro, da reunião, das trocas e do lazer. Neste sentido, os planejamentos
urbanos deveriam levar em conta os locais privilegiados para os encontros, as
praças, os jardins, os bosques, os clubes, as áreas de atividades sociais etc.
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