sexta-feira, 31 de maio de 2019

ATIVIDADE 11 - O URBANISMO NA CIDADE INDUSTRIAL


No período de 1800 a 1914, a população europeia passa de 180 milhões para 460 milhões de pessoas, sem acrescentar aí um contingente de outros 100 milhões, que emigraram para as Américas. Com o volume populacional triplicado, ocorre a concentração da população em aglomerações a serviço das indústrias - é o fenômeno da urbanização criando novas cidades e transformando por completo as já existentes. Tal fenômeno traz em consequência, uma realidade que merece ser estudada. Afinal os problemas urbanos são de tal monta que surgem propostas e justificativas para projetos e ações procurando resolvê-los.
Foi na Inglaterra, origem da grande indústria, que a miséria dos guetos de trabalhadores sensibilizou e revoltou algumas parcelas da sociedade, fazendo multiplicar, por volta de 1816, as reações contra o que se denominava: "a cidade monstruosa".

O urbanismo é então a disciplina que procura entender e solucionar os problemas urbanos. O termo urbanismo é relativamente recente, e segundo G. Bardet este termo surgiu pela primeira vez em 1910. No entanto, conforme BENEVOLO (1971) pode-se dizer que o urbanismo moderno nasceu até mesmo antes de se utilizar este termo, isto é, entre 1830 e 1850.
A cidade industrial neste período é caracterizada pelo congestionamento e pela insalubridade; sem um sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário e sem coleta de lixo atendendo à população de operários, surgem epidemias difíceis de serem controladas, além de doenças que prejudicam a população como um todo.
Esta cidade é construída pela iniciativa privada, buscando o máximo lucro e aproveitamento, sem nenhum controle. Surge então a necessidade de uma ação pública, ordenando e propondo soluções que até o momento eram implementadas apenas pelo setor privado, com objetivos individuais, de curto prazo e em escala reduzida.
É desta época o urbanismo sanitarista, com preocupação básica de melhorar as condições de salubridade nas cidades, coordenando a iniciativa privada, com objetivos públicos e gerais. Em Londres observa-se um grave problema de poluição no Tâmisa; a captação de água se faz no mesmo rio aonde são despejados os esgotos, sendo este fato uma causa permanente de epidemias. Para controlar e evitar os graves problemas de saúde pública observados, em 1848 é aprovada a primeira lei sanitária, a Public Health Act. Esta lei é a precursora dos Códigos Sanitários brasileiros.
Esta legislação é a base de todas as demais que procuram atuar no espaço urbano garantindo condições de salubridade: abastecimento de água e controle de sua potabilidade, canalização de esgotos, drenagem de áreas inundáveis, abertura de vias e vielas sanitárias. Com preocupações sanitárias foram reurbanizadas várias cidades industriais inglesas: Londres, Manchester, Liverpool, Birmingham, Leeds.
As leis sanitárias evoluíram para uma legislação especificamente de natureza urbanística, definindo as densidades, critérios para a implantação de loteamentos, distância entre edificações, seus gabaritos de altura, e até a característica de cada edificação, isto é, espaços, aberturas e materiais a serem empregados. Os regulamentos urbanísticos atualmente existentes, as leis de zoneamento, uso e ocupação do solo e os códigos de edificações, tem como origem esta preocupação sanitarista de se criar um ambiente salubre e adequado.
Nos Estados Unidos, observa-se no início do século XIX um grande crescimento industrial, que impulsiona o desenvolvimento urbano. Nesta época, New York que conta com 100 000 habitantes, concentrados na ilha de Manhattan, cresce de forma desordenada. Para organizar este crescimento urbano, uma Comissão estuda por 4 anos um projeto de urbanização quem vem a ser proposto e implementado em 1811.
Este plano recorta a ilha de Manhattan com uma malha uniforme de vias ortogonais: 12 "avenues" no sentido longitudinal, com quase 20 quilômetros de comprimento, e 155 "streets" perpendiculares a elas, com 5 quilômetros. Um imenso parque, o Central Park, é construído em 1858. Até hoje este é o grande exemplo do urbanismo americano, cartesiano e racional, rígido em sua concepção viária, mas que admite flexibilidade nas construções dos edifícios em seus quarteirões.
Na França as preocupações urbanas foram de outra natureza. Ali se implantou o que se pode conhecer como o urbanismo estético-viário. O grande mentor desta tendência é o barão Haussman que foi prefeito do Sena, em Paris, no período de 1853 a 1870. Neste período renovou o aspecto de Paris, com a abertura de grandes espaços urbanos e avenidas, modificando os velhos quarteirões ainda medievais. Na prática, sobrepõe à cidade existente, uma nova rede de avenidas, com edificações de caráter monumental, sede dos poderes governamentais e civis mais importantes.
Na então periferia implanta as avenidas de circunvalação e transforma os Bois de Bologne e de Vincennes em espaços públicos urbanos. A ‘Étoile’ (estrela) de avenidas tendo ao centro o Arco do Triunfo, junto com a avenida dos Champs Elysées é a maior expressão de Haussman. Este urbanismo estético-viário, "nascido ao tempo das carruagens e dos bondes puxados a burro, no final do século XIX, será, na primeira metade do século XX, extremamente funcional para o surgimento e a implantação plena das cidades contemporâneas, dos veículos automotores: o bonde elétrico, os ônibus, os caminhões e os próprios automóveis”. (CAMPOS FILHO, 1989)
Haussman influenciou várias outras cidades na França, nas colônias francesas e na Europa tais como Torino, Viena, Bruxelas.
O grande desenvolvimento das cidades e das formas de vida urbana é um dos fenômenos que melhor caracteriza nossa civilização contemporânea. A cidade não é um feito recente: é resultante de um processo histórico. Ao longo deste século e do passado observa-se um aumento vertiginoso da migração da população rural para as cidades. Tal fato tem modificado a distribuição da população mundial.
Uma das grandes marcas dos séculos XX e XXI é o formidável crescimento dos grandes centros urbanos, que não se verificava anteriormente porque o avanço demográfico geral era muito mais lento e porque esse excedente demográfico não era absorvido desproporcionadamente pelas grandes cidades. Contudo, nas últimas décadas, o ritmo de crescimento das cidades está sendo muito superior ao das possibilidades de previsão das autoridades públicas, a sua capacidade de assimilar os problemas e geralmente dos recursos disponíveis para proceder às reformas de grande vulto que se fazem necessárias para criar novas estruturas eficazes.
Uma parte da população que chega às cidades é forçada a se distribuir nos locais mais miseráveis e abandonados, invadindo propriedades alheias ou zonas com condições urbanas inadequadas. Isto deu lugar aos chamados bidonvilles das cidades francesas ou argelinas, as chabolas (barracas de madeira) ou chabolismo espanhol, as famosas favelas brasileiras, os ranchos venezuelanos, etc. Não há cidade em processo de crescimento agressivo que não sofra destas manifestações patológicas. 
As reflexões incidentes sobre a situação habitacional nos grandes centros urbanos mostram que as soluções mais significativas encontradas pela população pauperizada para resolver seu problema imediato de falta de um "teto" podem ser caracterizadas de acordo com os diferentes tipos de moradia atualmente existentes, tais como os cortiços, as casas precárias de periferia, os barracos de favelas e os sem-tetos.
Localizadas em sua maioria em ambientes degradados, clandestinos e sem infraestrutura, essas moradias constituem assentamentos periurbanos que distinguem um processo diferenciado de produção de cidades, com características próprias de constituição, crescimento e mudança com o decorrer do tempo.
Esses assentamentos periurbanos são para alguns o lugar de onde começam a subir socialmente, enquanto para outros será o último degrau de uma dolorosa descida na escala social.
Os organismos oficiais, planificadores e urbanistas são lentos nas previsões e ainda mais nas realizações. Enquanto delimitam as zonas convenientes e planificam na sua base, preparando soluções para o crescimento, a realidade, com os imperativos violentos, rompe pelos lugares mais imprevistos e incongruentes; e quando as autoridades resolvem tê-los em conta, deparam com uma realidade ingrata e volumosa, que modifica os dados de um problema que se projetava abordar serenamente nos estiradores de desenhos. (...) A cidade vai-se transformando com um crescimento que nem é ordenado por via técnica, nem pausado e orgânico por via natural”. Por conseguinte, esse crescimento urbano produz tanto problemas nos núcleos centrais, quanto nas periferias das cidades que sofrem com a falta de acessos e de transporte coletivo. Toda ordenação espacial é questionável se não existir uma adequada acessibilidade, meios de transporte público eficazes e uma rede viária capaz e inteligentemente planejada para atender toda a demanda necessária.
A cidade moderna tem se deixado levar em demasia pelas prioridades definidas pelo tráfego. Para alguns, o tráfego é primordial e a sua solução deve orientar todas as outras soluções urbanas. Não faz sentido planificar com vista ao tráfego sem planificar ainda mais profundamente com vista a outras necessidades humanas.
Questiona-se qual o urbanismo adequado para esta cidade moderna, principalmente nas cidades dos países em desenvolvimento. O termo urbanismo é quase que empregado exclusivamente nas situações aonde irá se desenhar ou projetar uma nova cidade, a partir de um espaço desocupado e vazio. Esse fato não ocorre, especialmente nos países em desenvolvimento, onde se procura uma ação urbana sobre o existente, com recursos limitados e com todas as condicionantes de natureza social e política. Nessa direção, a ação urbana cada vez mais distancia-se do urbanismo clássico para aproximar-se de um entendimento da cidade enquanto um empreendimento.
A cidade enquanto empreendimento deverá satisfazer às necessidades individuais e coletivas dos vários setores de sua população; para tanto deve-se articular recursos humanos, financeiros, institucionais, políticos e naturais para sua produção, funcionamento e manutenção. A este processo dirigido para operar a cidade, dá-se o nome de gestão urbana.
A gestão urbana é portanto uma ação política, componente do governo da cidade, responsável pela elaboração de políticas públicas, pela sua concretização em programas e pela execução dos projetos.

Texto obtido e modificado de:
ABIKO, Alex Kenya; ALMEIDA, Marco Antonio Plácido e BARREIROS, Mário Antônio Ferreira. Urbanismo: história e desenvolvimento. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1995.

ATIVIDADE AVALIATIVA
Nota: As respostas às questões são meramente orientativas.
- Conceitue urbanismo sanitarista, seu objetivo e sua influência.
É um tipo de intervenção urbanística, surgido no século XIX, caracterizado pela preocupação básica de melhorar as condições de salubridade nas cidades, eliminando as fontes de poluição, com o fim de controlar e evitar os graves problemas de saúde pública.  Sua influência se faz ainda hoje nas leis sanitárias de natureza urbanística, que definem os critérios de uso e ocupação do solo urbano, mas que também foram responsáveis por uma série de mudanças nos hábitos e na maneira de morar dos cidadãos, provocando reformas que marcaram para sempre a cultura da sociedade e a estrutura das cidades.
- Compare o urbanismo surgido na França e nos EUA no séc. XIX.
O urbanismo francês, exemplificado em Paris, tem preocupações acima de tudo estéticas, com abertura de uma rede viária radial e concêntrica, cujo centro é o Arco do Triunfo. A partir desse centro, foram abertos grandes espaços urbanos e avenidas, com edificações de caráter monumental, sede dos poderes governamentais e civis mais importantes, modificando os velhos quarteirões ainda medievais
O urbanismo americano, exemplificado na ilha de Manhatan, é um traçado de linhas retas e ortogonais, formando uma grade; portanto, em sua concepção é cartesiano, e racional, rígido em sua concepção viária, mas que admite flexibilidade nas construções dos edifícios em seus quarteirões.
- Na atualidade, como a população pobre e/ou miserável se adequa no espaço urbano? Como isto se reflete no urbanismo?
A população pobre e/ou miserável se adequa ao espaço urbano através de ocupações em terrenos pouco valorizados na periferia das cidades, nos morros, à beira de córregos e em áreas ambientalmente vulneráveis ou inadequadas para residências, muitas vezes em ocupações ilegais, ou em edifícios abandonados.
O planejamento urbano não consegue acompanhar os movimentos dessas massas populacionais em demanda por locais de moradia, que ocupam os lugares mais imprevistos e incompatíveis com o planejamento urbano;.  São assim criadas situações que ultrapassam a capacidade e viabilidade de um planejamento urbano adequado. Isto se dá porque as administrações públicas são lentas e ineficientes, e não se antecipam ao problemas gerados pela expansão urbana.
- Faça um texto de pelo menos 12 linhas comentando a seguinte afirmação do autor: “Não faz sentido planificar com vista ao tráfego sem planificar ainda mais profundamente com vista a outras necessidades humanas.“
O planejamento urbano nas cidades modernas tem se orientado por um tripé de sustentação: uso e ocupação do solo, sistema viário e sistema de transporte. Isto porque, na lógica da racionalidade, o tempo controla as pessoas, em sua vida agitada, e a prioridade deve então ser o seu deslocamento nas cidades cada vez mais congestionadas de veículos particulares. A solução logística do deslocamento deve orientar todas as outras. Porém, essa planificação urbana com vista ao tráfego sobrepõe uma série de outras necessidades humanas. A cidade não deveria ser um local onde as pessoas se deslocam para o trabalho e as compras, não deve ser o local privilegiado do fazer, mas do ser, o local do encontro, da reunião, das trocas e do lazer. Neste sentido, os planejamentos urbanos deveriam levar em conta os locais privilegiados para os encontros, as praças, os jardins, os bosques, os clubes, as áreas de atividades sociais etc.


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