sexta-feira, 31 de maio de 2019

DIREITO À CIDADE


direito à cidade é uma ideia e slogan que foi primeiramente proposto por Henri Lefebvre em seu livro de 1968 Le Droit à la ville. Lefebvre resume as ideias como uma "demanda...[por] um acesso renovado e transformado à vida urbana".
Leszek Kolakowski e Henri Lefebvre em 1971. Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

David Harvey descreveu-o desta forma:
O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos: é o direito de mudar a si mesmos por mudar a cidade. É, sobretudo, um direito coletivo, ao invés de individual, pois esta transformação inevitavelmente depende do exercício de um poder coletivo para dar nova forma ao processo de urbanização. O direito a fazer e refazer nossas cidades e nós mesmos é, como quero argumentar, um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, de nossos direitos humanos.
Lefebvre definiu a cidade como a “projeção da sociedade sobre o terreno”. Para ele, as consequências da urbanização em muito superavam as da industrialização, e as cidades passaram a ser produzidas enquanto mercadorias.
O resultado, segundo o autor, era a alienação, a qual Lefebvre chamava miséria urbana. O trabalhador periférico que enfrentava longas horas de transporte público, trabalhava e voltava a enfrentar as mesmas horas no retorno para casa era vítima, em sua concepção, de um espaço regulado, uma demarcação de vida com pouca possibilidade para o encontro e para o lazer.
Assim, o direito à cidade surgiu como um conceito contrário à alienação provocada pelos imperativos de uma urbanização desenfreada e regulatória. Lefebvre lançava críticas e desafios aos gestores públicos e aos urbanistas, incentivando-os a pensar na cidade como um lugar de encontro, reunião e simultaneidade, onde o valor da cidade é o de uso, e não de troca.
No âmbito da legislação internacional, o direito à cidade se concretiza como parte dos direitos humanos, com destaque para a Carta Mundial pelo Direito à Cidade, firmada no Fórum Social das Américas (Quito, 2004), no Fórum Mundial Urbano (Barcelona, 2004) e no V Fórum Social Mundial (Porto Alegre, 2005) e que define o direito à cidade como “um direito coletivo de todas as pessoas que moram na cidade, a seu usufruto equitativo dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social”.
“Cidade é um espaço público, onde você se locomove, mora, estuda, trabalha e cria raízes. As pessoas têm dificuldade de entender: como assim, direito à cidade, a cidade não é pública? É, mas não em sua totalidade”.
Um número de movimentos populares, como o movimento de moradores de barracos Abahlali Mjondolo na África do Sul, a Right to the City Alliance nos Estados Unidos da América, Recht auf Stadt, uma rede de squatters, inquilinos e artistas em Hamburgo, e vários movimentos na Ásia e América Latina incorporaram a ideia do direito à cidade em suas lutas.
No Brasil o Estatuto da Cidade (2001) escreveu o Direito à Cidade na lei federal. Seus princípios básicos são o planejamento participativo e a função social da propriedade, e assegura o “uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.
Embora não com o mesmo nome, o direito à cidade se manifesta na Constituição de 1988. Os artigos 182 e 183 garantem a função social da propriedade urbana e o usucapião.
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O Direito à Cidade vem sendo discutido no Brasil por diversas organizações, instituições e movimentos sociais, por meio da Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis, da qual fazem parte a Rede Nossa São Paulo, Movimento Nossa Brasília, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Instituto Nossa Ilhéus e outros. Essas instituições entendem que as cidades, para serem vivas e democráticas, precisam oferecer mobilidade urbana de qualidade para seus cidadãos e cidadãs, e também incentivá-las a ocupar os espaços públicos, trocando ideias e experiências de como construir uma cidade mais justa, democrática e cidadã, promovendo o debate sobre temas diversos como sustentabilidade, democracia, direitos, igualdade, raça, gênero, mobilidade, agricultura urbana e gestão solidária de resíduos sólidos.

Em vista das desigualdades e vulnerabilidades do território brasileiro, começou a nascer no País a disputa por um imaginário de direito à cidade, articulada aos direitos de moradia, transporte, cultura e moradia.
“Direito à cidade passou a ser um nome para dizer que queremos políticas de acesso a equipamentos básicos urbanos”, explica Tavolari. “Direito à cidade é uma expressão muito importante também no sentido de que gera identificação: quando mencionada em reivindicações de esfera pública, as pessoas sentem que pertencem à cidade”.

O Estatuto da Cidade
Em 10 de julho de 2001, foi aprovado o Estatuto da Cidade, que estabelece as bases para um modelo democrático de cidade e as normas de uso da propriedade em benefício do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos. Seu objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Diretrizes/Princípios do Estatuto da Cidade
         I - Garantia do direito às cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
         II - Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
         III - Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social
         IV - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.(Art. 39. Lei 10257/01)
         VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
  • a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
  • a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
  • o parcelamento do solo, a edificação ou os usos excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana;
  • a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;
  • a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
  • a deterioração das áreas urbanizadas;
  • a poluição e a degradação ambiental;
         IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.
Estatuto da Cidade - Instrumentos de política urbana
         De planejamento nacional e regional (Art. 4º, I, II)
         De planejamento municipal (Art. 4º, III) (Plano Diretor)
         Tributários e financeiros (Art. 4º, IV)
         imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
         Contribuição de melhoria
         Incentivos e benefícios fiscais e financeiros
         Jurídicos e políticos (Art. 4º, V).

         Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) (Art. 4º, VI).

A diversidade da cidade
Embora exista, nos últimos anos, um alargamento na concepção da importância do direito à cidade, esse debate às vezes ignora que dentro de uma malha urbana se desenvolvem diferentes tipos de territórios, com mais ou menos acesso à direitos.
Parte desse debate envolve, em primeiro lugar, o desigual acesso à cidade que os sujeitos oprimidos experimentam no seu cotidiano. Ou seja, a mera constatação de que as opressões não ocorrem somente no espaço privado, mas também no espaço público traz à tona a questão de como a cidade é espaço privilegiado para que as opressões se reproduzam. É nesse sentido que há grande convergência da pauta dos movimentos sociais de combate às opressões com a luta por uma cidade mais acessível e justa.
Do contrário, sem esse encontro, fica muito limitada a capacidade de analisar, por exemplo, os motivos que levam um transporte público precário a representar especial fardo às mulheres, principalmente as negras das periferias das cidades, ou ainda fica reduzido o debate sobre o que implica ser LGBT em diferentes bairros da cidade.


As cidades, para serem vivas e democráticas, precisam oferecer mobilidade urbana de qualidade para seus cidadãos e cidadãs, e também incentivá-las a ocupar os espaços públicos, trocando ideias e experiências de como construir uma cidade mais justa, promovendo o debate sobre temas diversos como sustentabilidade, democracia, direitos, igualdade, raça, gênero, mobilidade, agricultura urbana e gestão solidária de resíduos sólidos.
A arquiteta Joice Berth interliga a efetivação do direito à cidade à participação social. “Direito à cidade é falar de política, senão dentro das instituições, na montagem de grupos de discussão e na ocupação de espaços públicos”. Ela complementa que é também dever da população fiscalizar as políticas públicas em trâmite no poder legislativo.
A gritante desigualdade brasileira se materializa em uma malha urbana fragmentada. Enquanto o centro concentra maiores oportunidades de trabalho e habitação para população com maior poder aquisitivo, além de uma abundância de equipamentos de cultura, as regiões periféricas sofrem de um parco planejamento urbano, poucos pontos culturais e uma população de baixa renda aviltada de direitos básicos.

“Os urbanistas precisam ter uma consciência social, racial e de gênero bem desenhada para poder realizar um planejamento urbano”, diz a arquiteta Joice Berth. Pensar o direito à cidade implica então compreender que, para que ele se efetive, as políticas públicas precisam considerar os trajetos percorridos pelas diferentes populações e realidades brasileiras, entendendo seu papel fundamental na diminuição da desigualdade nos âmbitos raciais, de gênero e de condição social.

Texto extraído e modificado de:
CIDADES EDUCADORAS. Direito à cidade. Obtido em: https://cidadeseducadoras.org.br/glossario/direito-a-cidade/. Acesso em 30/05/2019.
CERQUEIRA, Jéssica Tavares; MARQUES, Helena Duarte e ZINET, Lucas Campos. Direito à cidade e grupos oprimidos: de quem são as ruas? Obtido em: http://www.justificando.com/2017/12/05/direito-cidade-e-grupos-oprimidos-de-quem-sao-as-ruas/. Acesso em: 30/05/2019.
WIKIPEDIA. Direito à cidade. Obtido em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_%C3%A0_cidade. Acesso em: 30/05/2019.

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