O direito à cidade é uma ideia e slogan que foi
primeiramente proposto por Henri Lefebvre em seu livro de 1968 Le Droit à la
ville. Lefebvre resume as ideias como uma "demanda...[por] um
acesso renovado e transformado à vida urbana".
![]() |
Leszek Kolakowski e Henri Lefebvre em 1971. Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre. |
David Harvey descreveu-o desta forma:
O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos: é o direito de mudar a si mesmos por mudar a cidade. É, sobretudo, um direito coletivo, ao invés de individual, pois esta transformação inevitavelmente depende do exercício de um poder coletivo para dar nova forma ao processo de urbanização. O direito a fazer e refazer nossas cidades e nós mesmos é, como quero argumentar, um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, de nossos direitos humanos.
Lefebvre definiu a cidade como a “projeção da
sociedade sobre o terreno”. Para ele, as consequências da urbanização em muito
superavam as da industrialização, e as cidades passaram a ser produzidas
enquanto mercadorias.
O resultado, segundo o autor, era a alienação, a qual Lefebvre chamava miséria urbana. O trabalhador periférico
que enfrentava longas horas de transporte público, trabalhava e voltava a
enfrentar as mesmas horas no retorno para casa era vítima, em sua concepção, de
um espaço regulado, uma demarcação de vida com pouca possibilidade para o
encontro e para o lazer.
Assim, o direito à cidade surgiu como
um conceito contrário à alienação provocada pelos imperativos de uma
urbanização desenfreada e regulatória. Lefebvre lançava críticas e desafios aos
gestores públicos e aos urbanistas, incentivando-os a pensar na cidade como um
lugar de encontro, reunião e simultaneidade, onde o valor da cidade é o de uso,
e não de troca.
No âmbito da legislação internacional, o
direito à cidade se concretiza como parte dos direitos humanos, com destaque
para a Carta Mundial pelo Direito à
Cidade, firmada no Fórum Social das Américas (Quito, 2004), no Fórum
Mundial Urbano (Barcelona, 2004) e no V Fórum Social Mundial (Porto Alegre,
2005) e que define o direito à cidade como “um direito coletivo de todas as
pessoas que moram na cidade, a seu usufruto equitativo dentro dos princípios de
sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social”.
“Cidade é um espaço público, onde você se locomove, mora, estuda,
trabalha e cria raízes. As pessoas têm dificuldade de entender: como assim,
direito à cidade, a cidade não é pública? É, mas não em sua totalidade”.
Um número de movimentos populares, como o movimento de moradores de
barracos Abahlali Mjondolo na África do Sul, a Right
to the City Alliance nos Estados Unidos da América, Recht auf Stadt, uma
rede de squatters, inquilinos e artistas em Hamburgo, e vários movimentos
na Ásia e América Latina incorporaram a ideia do direito à cidade em suas
lutas.
No Brasil o Estatuto da Cidade (2001) escreveu o
Direito à Cidade na lei federal. Seus princípios básicos são o planejamento
participativo e a função social da propriedade, e assegura o “uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.
Embora não com o mesmo nome, o direito à cidade se
manifesta na Constituição de 1988. Os artigos 182 e 183 garantem a
função social da propriedade urbana e o usucapião.
![]() |
Militares bloqueiam entrada de favela no Rio de Janeiro |
O Direito à Cidade vem sendo discutido no Brasil por diversas
organizações, instituições e movimentos sociais, por meio da Rede Social
Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis, da qual fazem parte
a Rede Nossa São Paulo, o Movimento Nossa
Brasília, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),
o Instituto Nossa Ilhéus e outros. Essas instituições entendem que as
cidades, para serem vivas e democráticas, precisam oferecer mobilidade urbana
de qualidade para seus cidadãos e cidadãs, e também incentivá-las a ocupar os
espaços públicos, trocando ideias e experiências de como construir uma cidade
mais justa, democrática e cidadã, promovendo o debate sobre temas diversos como
sustentabilidade, democracia, direitos, igualdade, raça, gênero, mobilidade,
agricultura urbana e gestão solidária de resíduos sólidos.
Em vista das desigualdades e vulnerabilidades do território brasileiro,
começou a nascer no País a disputa por um imaginário de direito à cidade,
articulada aos direitos de moradia, transporte, cultura e moradia.
“Direito
à cidade passou a ser um nome para dizer que queremos políticas de acesso a
equipamentos básicos urbanos”, explica Tavolari. “Direito à cidade é uma
expressão muito importante também no sentido de que gera identificação: quando
mencionada em reivindicações de esfera pública, as pessoas sentem que pertencem
à cidade”.
A diversidade da cidade
O Estatuto da Cidade
Em 10 de julho de 2001, foi aprovado o Estatuto da
Cidade, que estabelece as bases para um modelo democrático de cidade e as
normas de uso da propriedade em benefício do bem coletivo, da segurança e do
bem-estar dos cidadãos. Seu objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Diretrizes/Princípios do
Estatuto da Cidade
•
I - Garantia do direito às cidades sustentáveis, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e
futuras gerações.
•
II - Gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano.
•
III - Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais
setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse
social
•
IV - A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à
qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta
Lei.(Art. 39. Lei 10257/01)
•
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
- a utilização
inadequada dos imóveis urbanos;
- a proximidade de
usos incompatíveis ou inconvenientes;
- o parcelamento do
solo, a edificação ou os usos excessivos ou inadequados em relação à
infraestrutura urbana;
- a instalação de
empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de
tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;
- a retenção
especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não
utilização;
- a deterioração das
áreas urbanizadas;
- a poluição e a
degradação ambiental;
•
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização.
Estatuto
da Cidade - Instrumentos de política urbana
•
De planejamento nacional e regional (Art. 4º, I, II)
•
De planejamento municipal (Art. 4º, III) (Plano Diretor)
•
Tributários e financeiros (Art. 4º, IV)
•
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
•
Contribuição de melhoria
•
Incentivos e benefícios fiscais e financeiros
•
Jurídicos e políticos (Art. 4º, V).
•
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
(Art. 4º, VI).
A diversidade da cidade
Embora
exista, nos últimos anos, um alargamento na concepção da importância do direito
à cidade, esse debate às vezes ignora que dentro de uma malha urbana se desenvolvem
diferentes tipos de territórios, com mais ou menos acesso à direitos.
Parte desse debate envolve, em primeiro lugar, o desigual acesso à
cidade que os sujeitos oprimidos experimentam no seu cotidiano. Ou seja, a mera
constatação de que as opressões não ocorrem somente no espaço privado, mas
também no espaço público traz à tona a questão de como a cidade é espaço
privilegiado para que as opressões se reproduzam. É nesse sentido que há grande
convergência da pauta dos movimentos sociais de combate às opressões com a luta
por uma cidade mais acessível e justa.
Do
contrário, sem esse encontro, fica muito limitada a capacidade de analisar, por
exemplo, os motivos que levam um transporte público precário a representar
especial fardo às mulheres, principalmente as negras das periferias das
cidades, ou ainda fica reduzido o debate sobre o que implica ser LGBT em
diferentes bairros da cidade.
As cidades, para serem vivas e democráticas, precisam oferecer
mobilidade urbana de qualidade para seus cidadãos e cidadãs, e também
incentivá-las a ocupar os espaços públicos, trocando ideias e experiências de
como construir uma cidade mais justa, promovendo o debate sobre temas diversos
como sustentabilidade, democracia, direitos, igualdade, raça, gênero,
mobilidade, agricultura urbana e gestão solidária de resíduos sólidos.
A arquiteta Joice Berth interliga a efetivação do direito à cidade à participação
social. “Direito à cidade é falar de política, senão dentro das
instituições, na montagem de grupos de discussão e na ocupação de espaços
públicos”. Ela complementa que é também dever da população fiscalizar as
políticas públicas em trâmite no poder legislativo.
A
gritante desigualdade brasileira se materializa em uma malha urbana
fragmentada. Enquanto o centro concentra maiores oportunidades de trabalho e
habitação para população com maior poder aquisitivo, além de uma abundância de
equipamentos de cultura, as regiões periféricas sofrem de um parco planejamento
urbano, poucos pontos culturais e uma população de baixa renda aviltada de
direitos básicos.
“Os
urbanistas precisam ter uma consciência social, racial e de gênero bem
desenhada para poder realizar um planejamento urbano”, diz a arquiteta Joice
Berth. Pensar o direito à cidade implica então compreender que, para que ele se
efetive, as políticas públicas precisam considerar os trajetos percorridos
pelas diferentes populações e realidades brasileiras, entendendo seu papel
fundamental na diminuição da desigualdade nos âmbitos raciais, de gênero e de
condição social.
Texto extraído e
modificado de:
CIDADES EDUCADORAS. Direito à
cidade. Obtido em: https://cidadeseducadoras.org.br/glossario/direito-a-cidade/.
Acesso em 30/05/2019.
CERQUEIRA, Jéssica
Tavares; MARQUES, Helena Duarte e ZINET, Lucas Campos. Direito à cidade
e grupos oprimidos: de quem são as ruas? Obtido em: http://www.justificando.com/2017/12/05/direito-cidade-e-grupos-oprimidos-de-quem-sao-as-ruas/.
Acesso em: 30/05/2019.
WIKIPEDIA. Direito
à cidade. Obtido em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_%C3%A0_cidade.
Acesso em: 30/05/2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário